29 setembro, 2019

Os espaldares do Parlamento

Alberto Pimentel foi um prolífico escritor portuense do séc XIX que dedicou algumas das suas obras à capital. Detentor de um humor requintado, reporto aqui um curto trecho do seu Fotografias de Lisboa, de 1874. O texto, sobre o Parlamento, é um mimo e cai bem neste período de campanha eleitoral.

"Fui esta manhã ver as duas salas do Parlamento, das quais uma – a da Câmara dos Pares – excede tudo o que se possa esperar de opulência naquele recinto. Está-se ali tão bem que se deve adormecer por lá! Razão têm os dignos pares para dormirem há tantos anos.

Na Câmara dos Deputados o assento é menos cómodo, o espaldar menos macio. O corpo deve agitar-se constantemente, à procura de posição agradável: daí o mau humor, o falar, o ralhar muito. E há que tempos se anda a ralhar no Parlamento, sendo certo que com mais razão poderíamos nós ralhar do Parlamento." 

Era o período da Monarquia Constitucional, que subsistiu do 1º quartel da séc. XIX até à Instauração da República. O Parlamento possuía duas Câmaras, a Alta, Câmara dos Digníssimos Pares do Reino (o nome diz tudo) e a Baixa, Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza (o nome diz tudo). O número de representantes e os processos eleitorais sofreram várias alterações ao longo dos 90 anos que o sistema funcionou, mas basicamente os Pares pertenciam à Nobreza e ao Clero e os Deputados tinham que ter um avantajado rendimento líquido anual.

Nos dias de hoje, a nossa Assembleia, republicana e laica, só tem uma câmara, aquela que nós conhecemos do Canal Parlamento, e os deputados são eleitos por sufrágio universal entre os políticos e outros menos políticos. É assim mais equilibrada, mas acredito que os assentos e espaldares pouco fiquem a dever aos da Excelentíssima Câmara dos Pares e como sabemos pelos bytes mediáticos, ralhetes é o que lá não falta. 

Mas tal como os roncos que entram e saem pela boca, ou vice-versa, também os ralhetes tendem a entrar por um ouvido e sair pelo outro, ou vice-versa. 

Bem hajam e não se esqueçam de ir votar. 

Foto: parede do hall de entrada dos visitantes ao edifício

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