31 outubro, 2019

A inveja

Do latim invidia, que significa olhar com malícia (ui, ui que isto parece remeter para outro pecado já antes abordado), a inveja era, segundo Santo Agostinho, o pecado diabólico por excelência. À conta da mesma, Abel e Caim desentenderam-se e a coisa acabou num banho de sangue. E com eles nasceu o primeiro homicídio da história da humanidade. Mácula diabólica de facto! Mas se a inveja é entendida como um terrível mal da alma, um sentimento corrosivo do coração que desperta no mesmo muitas outras “sub-máculas” (Neologismo! Gosto deste particularmente por me suscitar a ideia das bonecas russas, que dentro de cada uma vão encerrando outra e assim sucessivamente…), não deverá  ser também analisada e compreendida à luz da positividade? Senão vejamos: se por um lado, a inveja é maligna, por outro lado é um poderoso aliado do EGO. Ao experimentar a inveja benigna (o facto de querermos alcançar algo para atingir um estado de satisfação e melhorar a nossa auto estima sem prejudicar o próximo), chamamos a atenção do nosso EGO e fazemos tudo em prol da sua felicidade.  E não é esse um sentimento digno de reconhecimento e até de estímulo?
Mais um “meio pecado”. Check!


Início dos Tempos: Isso não, é pecado
Pecado mortal 1/7: O orgulho
Pecado mortal 2/7: A avareza

Imagem: A inveja, Edvard Munch


27 outubro, 2019

A raiva do rio (revista em "r")

Os restos dos rastos dos regatos renovam a reduzida ribeira que revive no regueiro e renascida num rebento reflecte receosos respingos roçando os ramos risonhos e ri.
Resoluto o rio ressurge e retumbante ronca de raiva rebenta rochedos e rasga raízes repartindo a rigidez das ribas, mas repleto radiante e relaxado reclama o Mar.


25 outubro, 2019

A avareza

Pecado do pão-duro, do mão-de-vaca, do unha-de-fome, do muquirana e outros que tais, a avareza ou sovinice é o pecado que poderá estar relacionado com problemas nas articulações, coisa de reumáticos que sentem uma dificuldade extrema em abrir as mãos. Um pecado tolo, lembro-me de ter lido, sim porque se passamos a vida a queixarmo-nos da falta de dinheiro, de que somos uns tesos e não temos nada, que raio de pancada é essa de nos querermos apegar excessivamente a algo que não existe e o escondermos para que ninguém o roube? Maluqueiras! Alucinações provocadas pelo desejo intenso de bens materiais, essa é que é essa! Nos tempos que correm, essa coisa da avareza é coisa já rara, não havendo transgressões significativas a registar, por isso sem necessidade de absolvições.
Na verdade, estamos todos já mais para irmãos Metralha do que para tio Patinhas! 

Início dos Tempos: Isso não, é pecado
Pecado mortal 1/7: O orgulho
Imagem: O cobrador de impostos, Pieter Brueghel





23 outubro, 2019

Na mira de uns corações aflitos quem sorria era a bala

Lisboa, princípios de 80. Éramos putos, andávamos a descobrir, tínhamos um grupo fixe, a vontade não faltava. Garrafas na mão, íamos curtindo, elas gostavam, nós gostávamos, boa onda. As conversas eram sempre para mudar o mundo, acho que faz parte, ou sobre o livro tal, ou o filme tal ou o disco tal.
Inventavam-se coisas, tipo o Johnny Rotten tinha cantado o "God save the Queen" em cima de um banco, porque era proibido ofender a dita em solo inglês e ríamos porque para nós era verdade e queríamos fazer o mesmo.
Aqui e ali íamos-nos refundindo num beco para dar uns bafos de marroquinices, que também faziam parte da arte de descobrir as coisas. Depois a festa continuava pela rua.
Naquele dia éramos uns oito, não sei, a algazarra era grande. Passámos por um polícia, vulgo bófia ou "burro cinzento" por causa daquelas fardas horríveis que usavam e o burburinho baixou de tom. A ditadura ainda estava a apodrecer e a democracia chegava devagar, devagarinho. Continuava-se a cuspir no chão.
De repente, de trás vem um grito tipo filme americano: todos encostados à parede, rápido, já, identifiquem-se. E nós feitos parvos a olhar uns para os outros. Alguém perguntou, está a falar com a gente? e o homem tirou a pistola e com os braços esticados, apontou-a a quem estava à frente. Se assim não fosse, o bigodinho fininho, o tronco fininho e a barriga enorme só davam para rir.
O bófia suava, rápido, rápido, as mãos na parede. O homem estava passado e a abanar a pistola, não parecia saber bem o que queria.
Encostámos-nos a um muro. Tirem as coisas dos bolsos. Isto era dirigido aos rapazes, pois as raparigas pouco usavam bolsos.Usavam aquelas saias rodadas, que eram bem práticas para certas coisas. E o respeitinho também era muito bonito.
Tirámos as carteiras, vulgarmente tesas, isqueiros, tabaco, BI, 
rebuçados de mentol, as coisas do costume.
As miúdas usavam também aquelas bolsinhas a combinar com a roupa e quando havia algo "ilegal" costumava andar ali. Quando falo de ilegal, atenção que falo de caramelos espanhóis ou bombons de chocolate. E quando íamos a Setúbal buscar cinco toneladas daquilo, elas punham na bolsinha, afinal numa bolsa de mulher cabe qualquer coisinha.
Bem, o homem estava desvairado, sacudia a pistola no ar e bufava e eu a pensar ainda dá algum tiro, e como nestas coisas salvem-se as mulheres e as crianças, ia-me calhar a mim.
Entretanto juntaram-se as vizinhas e umas diziam 
coitados dos miúdos e outras diziam, tão mimosos, será que os vai matar, e uma outra não tirava os olhos dos glúteos do meu amigo T.. Os vizinhos olhavam as miúdas e babavam-se e falavam ao contrário do que queriam, porque o que eles queriam sei eu. A democracia ainda não chegara ao cabelo empastado.
Foi então que o gajo se apercebeu da cena que ali se montara. Pensou três vezes e lá deve ter concluído que aquilo dava mais cana para ele do que para nós. Gritou muito alto, mais alto ainda para a vizinhança para não perder a face enbigodada, Sigam, Sigam, desapareçam, e o C. que era também doido perguntou, e o tabaco, vai ficar com ele

O homem estava tão nervoso que nem conseguia enfiar a arma no coldre, ou lá como se chama aquilo. Nós seguimos o nosso caminho banzados da tola e da pistola.
É por estas e por outras que hoje há psicólogos na polícia.

21 outubro, 2019

Há dias assim, depois há outros...

Há já uns dias que levanto o nariz para o céu curiosa com o voo das aves. Procuro distinguir os pombos das gaivotas. Não perco tempo a olhar para os pombos, não gosto deles. Já as gaivotas, são merecedoras da minha atenção, trazem-me à memória recordações felizes. Por elas, demoro-me ali a vê-las planar no céu já a iluminar-se, por cima do largo. Gosto do grito das gaivotas, parecem chamar-me. Embora esteja no centro da cidade, trazem-me o cheiro da maresia, o mar revolto, a areia molhada, a neblina.
As manhãs vão ficando cada vez mais escuras e frescas. Não tarda vem aí a chuva e com ela o vento frio. Por enquanto, ainda visto roupas leves, mas sinto frio. Tenho as pernas arranhadas. Doem-me. Calcei novamente os ténis velhos.Todos os dias, ao acordar, decido que vou trocá-los por outro calçado, mas acabo sempre por ir buscá-los. Já estão gastos e descolados, mas são confortáveis. Demora a chegar o autocarro hoje. Tenho a cabeça a latejar, preciso desesperadamente de um comprimido e de um café. Ainda só engoli um iogurte líquido, mas ao contrário dos outros dias não sinto fome. Aí vem ele! Que raiva, o passe nunca pica à primeira! Estão duas mulheres sentadas lado a lado. São as únicas vozes que se ouvem.
Era o que faltava levantar-me às cinco e meia para apanhar o barco das seis. Vou aqui que vou muito bem. Não fazia mais nada da vida, queixa-se a primeira. Fazes bem, sempre vens mais descansada, responde a segunda.
Falam alto. Não gosto de ouvir falar alto, muito menos àquela hora. Nas primeiras horas da manhã, preciso muito de silêncio embora fale muito o resto do dia. Ontem, deixei passar a minha paragem. Quando me apercebi, já estava longe. Tive de andar tudo para trás, foi cansativo. Hoje estive mais atenta.
Faltam trinta minutos até estar na hora. Tenho muito tempo. Entro na pastelaria. 
Bom dia, é o costume? A meia torrada e o café? pergunta-me o senhor João. Bom dia, é sim obrigada. Hoje fico cá dentro, lá fora está frio. Pois é, já apetece um agasalho. Ontem à tarde, tive daquele bolo caseiro de que tanto gosta, mas não apareceu por aqui. Pois não, ontem não estava nos meus dias, fica para a próxima, respondo sem tirar os olhos da rua. Ah isso é que não pode ser. Tristezas não pagam dívidas. Não pode fechar o sorriso à chave durante muito tempo. 
Não me apetece conversa, só o conforto de um café bem quente.
Aqui tem , um euro e noventa e cinco para não variar. 
Como porque tem de ser, já o café bebo-o com muita satisfação. Se mais houvesse, mais bebia. Não pode ser, não posso abusar, coisas da tensão arterial. Está quase na hora e não me apetece sair de onde estou, mas levanto-me e vou pagar.
Até amanhã! , despeço-me. Até amanhã, obrigado!
Vamos lá. Os dias da semana seguem um após o outro. São sempre os mesmos. Não, na verdade não são. Têm é sempre o mesmo nome. Há dias cinzentos e outros azuis, dias com cheiro a fumo, outros com perfume de jasmim, dias cheios de vozes, dias de ninguém e de nada, dias felizes, outros nem por isso.
Há dias assim, depois há outros...

17 outubro, 2019

O corredor faz uma curva, mas porquê, se o certo é seguir em frente?

Manhãs cinzentas já se escapam a noites frias. O tempo gira eternamente no presente, sem novidade. Passaram os dias das chamas. Agora caem as folhas. O céu cinzento escurece mais esta nuvem que não nos larga, mas que trará a chuva, fonte de vida e prenúncio de renascimento, que faz pensar noutros, noutros tempos, como se tal existisse, como se o mundo não rodasse e o ciclo se repetisse.
Felicidades ficaram pelo caminho, também agruras. Será de fazer balanços? Será que é assim que se mede o valor de uma vida, numa balança entre agruras e felicidades, ou será que se a mede como uma maratona em que começamos frescos e a meio estamos cansados e sabemos porquê, porque nos vemos ao espelho com vinte anos e na rua chamam-nos senhora ou senhor. E a vida que tentámos aproveitar e que temos a certeza que por vezes falhámos, mesmo sabendo que se corrêssemos para trás faríamos tudo igual, porque só a entendemos dessa maneira.
Quando tanto fizemos para não a gastar antes do tempo e chega aquele momento em que pensamos que já sabemos tudo porque o corredor faz uma curva, mas porquê, se o certo é seguir em frente?
Como distinguir os quatro sabores se já os experimentámos tanto? Também aqueles desenhos, aquelas fotos que nos mostram todas as voltas do nosso cérebro, como sabemos por aonde ir, porque a vida não nos ensinou as voltas do cérebro e para onde vai dar cada uma. Rimos e choramos nessas voltas e depois não sabemos quais foram e a tristeza é saber que existem e não sabemos como voltar a cada uma. Temos tanto para aprender, a cabeça cheia de saber e vazia de não querer. Os olhos traem-nos a qualquer momento, continuamos a não ver de noite e a não poder olhar o sol. A água sente-se por fora, mas o sangue não se sente por dentro. O saber demais da vida é dor.

Bem-aventurados os pobres de espírito, pois deles é o Reino dos Céus. Mateus 5:10


15 outubro, 2019

O orgulho

Para uns orgulho, para outros vaidade. Para mim, vai dar ao mesmo: EGO em alta, auto-idolatria, o que na minha opinião, não é mau de todo! Muito pelo contrário, como já disse uma vez, tudo em prol da nossa pessoa e do nosso amor próprio. Que história é essa de superioridade corrosiva e destruidora?! Desde quando é que nos devemos reprimir e condenar por experimentarmos um sentimento de satisfação em relação a alguém ou até a nós próprios? Raios partam, que esta coisa da satisfação parece carecer sempre de uma explicação ou de uma condenação. Lá está, para muitos, o orgulho reveste-se de um caráter negativo enquanto sentimento de fraqueza, de necessidade de auto-afirmação. Para outros, entre os quais me incluo, é uma forma de reconhecimento, um elogio e uma forma de altruísmo.
Assim sendo, encaremos a coisa pela forma positiva, enaltecendo sempre quem merece. Sem medos, nem vergonhas!
Loas a Narciso!


Imagem: Narciso, Caravaggio
Início dos tempos: Isso não, é pecado


10 outubro, 2019

Penso Rápido

woman's bleeding nose with white background

Crostas. Muitas crostas espalhadas pelo corpo.
Marcas de dor de um passado recente.
Crostas que deixam cicatriz, e cicatrizes não desaparecem.

Seleccionamos a crosta ideal.
Crosta arrancada à força.
Espetamos os dedos e abrimos a ferida.

Dói. dói muito.
Dói tanto, que tamanha dor confunde os sinais.
Num extase de sinais sentimos dor, sentimos prazer.
Sentimos vivos.

Revivemos a dor, e esta fica fresca na memória.
Colocamos um penso rápido por cima para não infectar,
e aguardamos a próxima vez que uma crosta é arrancada.

08 outubro, 2019

O grande roubo ao Casino

Portugal, meados de 90. Fomos convidados para um casino. A história do convite é curta, por isso não vale a pena contar. O que é certo é que fomos convidados pelo Chefe de Sala para ver um espectáculo e para jantar de mesa com tudo à borla. 

O cantor tocava piano e era um daqueles que já passaram o seu tempo e andam pelos casinos a fazer pela vida. Fez-me lembrar o Elvis, mas este aqui tocava e cantava uma mistura de jazz e blues, era agradável. 

É claro que não houve daquelas cenas de atirar lingerie para o palco, que essas coisas não devem ser feitas em público e muito menos num casino. A mim, o mais que me aconteceu foi, Arroz Doce vês as minhas cuecas? e eu, olha estão ali no candeeiro do teto, vou buscar o escadote, e ainda a pensar na outra coisa. O pianista cantor deu um bom espetáculo. 

Estávamos ali sentados numa mesa numa sala enorme. À nossa volta era só pessoal dos Globos de Ouro, que ainda não existiam, mas vocês percebem o que quero dizer. Lembro-me do Herman com a sua trupe e de meia vermelha e do Rui Veloso, um dos gajos mais fixes que conheci. Éramos convidados, dá para imaginar, aquilo foi comer e beber, ui, beber, que o vinho era de uvas velhas e o uísque não era de Sacavém, embora eu geralmente não fosse muito esquisito nessas coisas.

Comecei a deslumbrar com um cinzeiro que estava na mesa, juro que foi do álcool. Aquela coisa era linda, parecia de cristal, refletia o arco íris da noite e só servia para sufocar beatas, que desperdício do caraças. Devia pesar um bom quilo. Despejei as beatas para outro, limpei-o da cinza e ela disse, Arroz Doce qué que estás a fazer, e eu, vou levar isto, e ela, mas tu és doido, deixa estar essa merda, e eu, mas é tão bonito, e ela, pois é... Meti-o num bolso qualquer.

Acabou o espetáculo e o nosso anfitrião, aquando das despedidas, perguntou se não queríamos conhecer o casino e nós claro que queríamos e ele era um baril e lá fomos a rir e a cambalear atrás dele e a fazer muitas perguntas. Ele devia estar habituado, estava na boa no seu smoking. Levou-nos aos bastidores, às cozinhas, à sala das televisões onde a mafia via as mesas de jogos (treta que naquele tempo não havia dessas coisas, era porrada e pronto), aos camarotes das estrelas, sei lá eu que mais. 

Estávamos a falar e alguém abre uma porta de repente e eu dou um salto e o raio do cinzeiro caiu aos pés do homem. Ela levou a mão à boca, como quem diz, que surpresa, não tenho nada a ver com isto, eu olhei para o teto, como quem diz, como é que isto caiu do teto e depois para o bolso, como quem diz, como é que isto estava no bolso.

Ele era um gentleman, Como se nada tivesse acontecido disse, se soubesse que tinham gostado tanto do cinzeiro tinha-vos arranjado um novo, e eu a tentar escavar um buraco para me enfiar. Continuámos a visita como se nada fosse e quando saímos lá veio alguém trazer-lhe um cinzeiro, novíssimo, ainda na caixa e tudo, que ele nos ofereceu cheio de charme. Nunca vira tanta classe junta numa pessoa.

O que é certo é que nunca mais gamei cinzeiros nos casinos, toalhas nos hotéis, copos nos bares, nem sequer voltei a fazer xixi na praia, palavra de Arroz Doce.

06 outubro, 2019

É tudo uma questão de EGO

Trezentos e sessenta e cinco dias de letras, muitas, muitas mesmo … prosas… poesias, amores…desamores, coisas sérias… outras nem por isso.

Muitas mãos cheias de histórias para contar, de desabafos, lições de História e muitas curiosidades. EGOs, alter-EGOs, gente de fantasia e gente de verdade.

Horas de escreve, apaga, reformula, amachuca, reescreve, ora pensa melhor, põe um ponto aqui, tira a vírgula dali, cuidado está ali uma repetição, usa um sinónimo, olha a questão do hífen, ai os tempos verbais que não batem certo, esta frase não faz sentido, o que é que estou para aqui a dizer, tenho orgulho neste texto, gosto de me ler, isto está uma treta, temos mais visualizações, olha hoje temos uma quebra de leitores, ninguém nos lê, o texto teve uma boa aceitação, então não sai nada hoje, sai sai temos de por isto a andar, este texto é demasiado pessoal (paciência segue na mesma!), falta aqui qualquer coisa , não sei o quê, mas falta, ainda não é isto, é isso mesmo acho que a mensagem passa e chega até quem lê, há que cuidar também do visual do EGO, renovar a imagem, por ora é melhor ficar assim, fica para daqui a uns tempos, não tenho inspiração, hoje não consigo, eh lá isso é que é escrever, já chegamos ao centésimo post, venham mais cem, não sei se devemos continuar isto, vamos continuar isto juntos, temos de ir mais além, mostrar os textos ao mundo. Força com isso… Vamos… Temos de…

Um ano disto tudo e de muito mais que guardamos para nós.
Isto somos nós… Isto é o EGO.


03 outubro, 2019

Isso não, é pecado!

Sempre achei curioso o conceito de pecado. Do grego hamartáno, a expressão transformou-se em peccátu com o latim e encerra o significado de erro. Em criança, ouvia falar do pecado como uma coisa tão séria que parecia apenas reparável com a pena de morte, a sua transgressão. Não bastasse apenas um, parecem que existem sete. A mim, ensinaram-me que não se devem cometer pecados, mas se tal acontecer, parece que se contarmos a quem de direito o que fizemos de mal, somos absolvidos com o seu  perdão e tudo se resolve, cumprimos uma micro ou uma macro penitência e voltamos ao estado de pureza original. Sim, porque existem diferentes tipos de pecado:o pecado original que nos mostra o quanto o Homem é um ser imperfeito, o pecado venial que apenas enfraquece o nosso relacionamento com Deus e o pecado mortal que já é um assunto mais sério.
Felizmente, mais tarde, percebi que para mim, um pecado não passava de um pequeno desvio comportamental, principalmente no que diz respeito à transgressão dos chamados pecados mortais. Assim sendo, convém antes de mais que se diferencie o pecado de um crime: se o primeiro desilude uma divindade, o segundo é uma violação de uma série de padrões estabelecidos pelo ser humano, mas se pensarmos que em alguns estados teocráticos o primeiro é punido com a prisão, a tortura e até a pena de morte, esta questão torna-se de facto complexa e mete medo. Apesar da sua complexidade e do seu caráter subversivo, tenho curiosidade em explorar esta “coisa” que corrói a alma, destrói as pessoas e enche o mundo de impurezas. Desta forma, proponho-me abordar cada uma destas máculas (uma de cada vez que isto é muito peso!) ao longo dos próximos tempos. 
Desobediências...







01 outubro, 2019

Sou segredo...sou revelação...


" La parole est (…) un acte individuel de volonté et d´intelligence. "
                                                                         Ferdinand de Saussure

" Com mãos tudo se faz e se desfaz.”
                                                                         Manuel Alegre

Na ausência de voz, o poder está nas mãos.
Desconhece-se o timbre, o ritmo, a entoação e a linguagem utilizada por aquele que vive no mundo silencioso. É urgente que se faça ouvir.
Às mãos cabe a responsabilidade de produzir linguagens, de dizer coisas.
Quando a voz silenciosa decide manter a quietude, as mãos permanecem imóveis. Há dias, no entanto, em que se mexem em movimentos desenfreados e urgentes pois a voz tem tanta coisa bonita para contar...
Sussurros e palavras doces pedem às pontas dos dedos movimentos delicados. Punhos fechados em gestos bruscos e pancadas fortes são sinais de gritos e de aflição.

As minhas mãos falam e tocam. Assim como as palavras têm o poder de desencadear emoções, as minhas mãos também sabem tocar assim. O movimento e o toque das minhas mãos são a extensão de mim. 
Sou silêncio e sossego...sou barulho e desassossego. 
Sou quietude ...sou tumulto... Repouso e alvoroço.
Sou segredo ...sou revelação. Mistério e transparência.
Um enigma... uma solução.
Uma introdução e um desenlace.
Uma porta fechada... uma janela aberta.