31 agosto, 2019

Os emigrantes pt2 - A chegada

Os carros começam a chegar com o sol de agosto que abraça a aldeia nos dias da Festa de Nossa Senhora. É o milagre do reencontro há tanto tempo esperado, não há famílias em que não se aguarde e se as há, estão felizes pelas novidades e pela felicidade dos outros.

Os velhos riem de alegria ao ver o automóvel subir a estrada. O pai apressa-se a dar instruções, pára aqui, como se o filho não soubesse onde parar desde que saiu de Bordéus, mas é o nervoso, já não consegue estar quieto, bate com as mãos nas pernas. A mãe torce os dedos ao peito e chora de alegria e sucedem-se os carinhos, ai a minha mãe, minha filha do coração e ao mesmo tempo queria dizer minha filha amada, e abraça também o filho que diz ó minha mãe olhe que me sufoca e ri-se. Chega a vez do pai, anda cá rapaz, como está isso? Como vai meu pai? Queriam falar de amor e saudade, mas isso não é conversa de homens.

Os abraços, os beijos e os apertos de mão não têm fim. Vão chegando outros e a estrada tem finalmente uso. Os casais divididos abraçam-se e beijam-se ao de leve nos lábios, outros tempos, mas os mais jovens agarram-se e beijam-se como deve ser e ouve-se por todo o lado, meu pai, minha mãe, minha filha, meu filho, meu homem, minha mulher, minha amiga, meu amigo e parece que qualquer coisa embriaga o ar. 

Com eles vêm miúdos que estranham aquilo, aquela gente, e outros mais graúdos que fazem de conta que ainda não chegaram. A mãe diz venham dar um beijinho aos avós e à avó sai-lhe que menina bonita que tu estás, valha-me Deus, e enche-a de beijos, e o avô estica a mão ao neto, deste um grande salto rapaz, e depois abraça-o, e tiram do bolso um rebuçado que lhes dão às escondidas como um segredo. Também há homens que procuram os filhos pequenos que nunca conheceram e é a vez da mãe dizer anda ao teu pai e o miúdo vê-se agarrado por aquele homem grande que o abraça, meu filho.

Os de cá vêm neles a abundância, os homem com barriga e as mulheres com os vestidos garridos, a última moda em Paris contam depois às primas. Vêm com dinheiro para gastar e mostram com orgulho o BM em que chegaram e contam histórias da viagem e das horas em Vilar Formoso e do cansaço de conduzir sem parar, e que para o ano, se Deus quiser, já não vão dar trabalho aos pais, já têm um terreno apalavrado para construir uma casa e os pais se os ouvem ficam muito contentes e muito tristes, porque parece que vão perdê-los uma segunda vez. 

Não dizem que têm o carro só para a viagem, nem da enxerga onde vivem em Paris ou em Lausana ou dos trabalhos onde mal ganham para viver e os sacrifícios que passam para juntar aquele dinheiro, os dias em que pouco se come como na aldeia, e que os franceses e alemães os tratam mal, mas de quem não se queixam, só dizem que são diferentes, não sabem viver.

E passada uma semana o João Maria, que esteve toda a noite na taberna a beber copos de bagaço para arranjar coragem, diz à mulher, já viste o Sabino, como ele se deu bem na França... Ela não responde, parece adivinhar o que aí vem, parece que as mulheres têm um sexto sentido, e ele continua, disse-me para ir com ele, que tem lá trabalho para mim. Agora ela roga e chora, não faças isso que me fazes falta, tanta falta homem, só te tenho a ti, aqui sozinha com os nossos filhos nesta escuridão, mas ele com a voz rija e rouca responde mas venho rico mulher e assim acaba a conversa. 


Foto: Georges Dussaud





29 agosto, 2019

Os emigrantes pt1 - A saudade

Na aldeia branca as mulheres apressam-se pelas lajes escorregadias. A Igreja gela como o tempo, mas é a única certeza numa vida adiada. O que é o frio comparado com o calor da fé na Virgem e no Senhor, que as aquece todo o caminho até ao coração? Vêm rezar pelos filhos que andam emigrados, a ganhar a vida por terras estranhas e vão voltar para a Festa de Nossa Senhora. Todos os dias repetem as promessas para que cheguem bem e de saúde, que isso é que é importante, se Deus quiser. As saudades são muitas e apertam o peito que doí até ás lágrimas. 

À Igreja os homens não se apresentam, ficam nos campos por necessidade ou vício de semear, ver nascer e crescer. A chuva castiga os ossos e a enxada nas mãos que são um calo, os rins. Essa coisa dos santos e santinhos é para as mulheres e o Padre, a quem descobrem a cabeça a caminho da taberna, não desperta confiança. Porque é que o Senhor lhes fez a vida tão dura, tão sofrida? Mas pensam nos filhos e vêm a sua silhueta nos campos nos dias de neblina. Rezam para dentro enquanto descarregam a sacho na terra, para que cheguem bem e de saúde, se Deus quiser, que isso é que é importante. As saudades são muitas.

Olham a estrada do alcatrão, mas na ponte da ribeira nada passa. A Festa teima em não chegar e a estrada mantém-se vazia.

28 agosto, 2019

De volta


O nosso EGO esteve de férias. No entretanto temos partilhado textos antigos que achámos merecedores de uma nova leitura. Voltamos com textos novos e o primeiro chegará amanhã. Contamos continuar a merecer a vossa atenção e o vosso apoio. 


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