31 maio, 2019

A água ecoa no casco


A água ecoa no casco e o murmulhar distrai-me. O Tejo é de prata, e neste dia quente de junho precoce, o pequeno barco levanta nuvens de gotas que fervilham no ar. A brisa acorda-me os sentidos, amainados pelo brilho intenso da água.

Ao longe, a torre meio tombada do piloto do porto, sombria, fiscaliza-me o avanço, pronta para dar o alarme. Dali não se passa, já fui avisado, ali acaba o Tejo e Lisboa e começa o oceano. Mas é mentira, a cidade continua, dá a volta ao mar e conquista-o.

O vento sopra mais forte, rodo no banco, puxo o leme, dou folga à vela. Sem ciência viro-me para a cidade, a ondulação balança-me, eleva-me e Lisboa enfeitiça-me. Ali mesmo à mão, o padrão dos grandes de Portugal olha-me sobranceiro, carregado de heróis e navegantes descobridores, que com desdém veem passar um marujo sem título, de barba mole. Comanda-os o Infante, feito história, perpetuado na pedra branca.

O vento revolta, e ágil, puxo e dou folga. Ali estou de novo virado para ela. Ao fundo o belo mosteiro do rei venturoso, cor de cal, Jerónimos de nome, manuelino de talha, com os algas estranhas e os peixes exóticos que trepam as colunas, esgueirando-se aos cordames de pedra, e que imagino a olhar do fundo do rio para o ponto branco que cá em cima, cruza as águas ao meu comando.

Esquadrias verdes aliviam o olhar, são os jardins por onde passeiam massas de turistas, pintalgadas de lisboetas, que deambulam extasiadas pela cidade bonita, que posa para a fotografia, espreguiçando-se.

Sigo à bolina, para cá e para lá, e sinto que me chama, como as sereias outrora fizeram a Ulisses, o doce aroma pingado de açúcar e canela dos pastéis de Belém. Outra onda passa e do cimo, curioso, entrevejo a porta azul do covil, esforçando-me por imaginar os belos azulejos, ocultos pela fila contínua dos cativados, que aguardam esperançados a oportunidade do deleite.

O sol poente encandeia-me e a sua luz branca faz-me recordar as esquinas alvas da minha cidade, a corda e o leme a girar-me na mão.






29 maio, 2019

"MÍDIA" CLASSE

"Prondé ku-gájandará. Déva-tár ku-jorge. Desgrassa-lha vidinha, põesse os dois nos copos e eu pá-ki a  lavár-lhas truces. Ai ka-fartinha kastou! E cô-mele chagou ontem! Nãssão exemplos pó miúdo, válhama Deus. Sim, kumiúdo tamem anda parvo, sará kugajo nã pracebe?"

"Tou káza-chegar. Vamú-zaver sá lugar. Desde ka-kabaram as férias kisto está uma merda, ku-pessoal todo aí. Tudo tem carros porra. Nã-consigo arranjar lugar, Dâsse! Ela dáva-tár lixada kumigo! Mas tamem ké-keide a fazer? Um gajo dá caibo do coiro a bulir e tamem tem kaproveitar um coche. Bem, ontem té o puto tav-ólhar pra-mim de lado..."

"O malandro nunca más-vem. Tou fartinha farta! A cena kele fez noutro dia pra nã-ír a casa da minha mãe. Como ss-éla lha devesse alguma coisinha. Sei bem ku ku-gajo karia érar-ir pró café baber umas sarvejas a ver a bola kúz-outros iguálizinhoz-aelen! Maz-eu praciso da companhia. O dia todo páki fechada, sozinha, tenho ka falar kalguém. A mãe é kama pracebe. Ela té gostava muita dele. Dáma graça agora ka-malembro disso. Tamem ele néra o bezanas ké-gora..."

"Chiça té-kenfim! Ela nã-vai acreditar ke nã-tive a baber. Também lóg-oje ke-caria-chagar cedo é ka-tínha ka-ficar empencado na merda da segunda circular. E dapoiz-esta treta da-não conseguir lugar. Só-lhar dela. E da mãe. A velha té kera fixe, maz-agora parece uma bruxa. Tã-cedo nã-volto a pôr lá os cotos! Tamem a filha éruma-baril e gora só-ssabe mandar. E mandar. É massa e maiz-uma e maiz-uma e massa. Um gajo tamem pracisa de descanso né. Nunca más tenho descanso..."

"Ólhin-dontem. O gajo só presta pa rassonar. Nã-pracébe kuma mulher tem as necessidades. E nã-ssou só eu ku-digo kas ravistas tamem . É bardade sim senhora! E a kuadrilhona do primeiro direito diz ké todazas noites. Kustá-crer Ku-lingrinhas do gajo dela. Mais uma razão pró meu katé é d-aço. Tamem tá sempre kus copos. Sáu menos fossum kadinho romântico, comá-kele, o Frota..."

"Kando abrir a porta começa lóga-mandar vir. Já sei komé-ké! É sempre a mesma coisa! O ké keide fazer, foi ela kama saiu na rifa. E té gosto dela."

"Té gosto dele. Kando nã-bebe é tã krido, como núz-anos que ma-deu um nigligéte  barmelho katé ficou tôood maluko depois deu a pôr. Olhó gája-meter a chave à porta. Olh-enfiou à primeira, né costume. Deixa-mas-tar aqui kétinha como se nã-desse por ele.

- Olá filha, correu-ta bem o dia?
- Assim assim e o teu, filho?
- Tamem! Ké o jantar?
- Pescadinhas ku-rrabo na boca!
- Tá bem, vou só pôr as chinelas, filha.
- Póssa-pôr no prato?
- Podes keu venho já. Donda-tá o miúdo?
- Tá no karto, chama-o.
- Tá bem... Anda jantar Rúbenê, olha katá dar bola.
- Vai ver pá sala katou o ver a navela, já talevo a comida.
- Tá bem, nã.demores katou cheio dafome!
- Cala-te mazé ka-quero ouvir a novela.

" Bem, ao menos parece kanão vem bêbado, olha kagiro, será kestes vã ficar juntos? Que bem kera, maz-ele nã-lha liga nanhuma!..."

"Bem, pelo menos parece kajá-ssaskeceu dontem, olha cagôlo. Não???? É penalty, esta merda é penalty."

27 maio, 2019

A Barqueira do Rio Estige

woman sitting on chair near window

Olá, por aqui? O quê? Estás à procura de alguém?
Senta-te aqui um pouquinho enquanto que esse misterioso alguém não aparece.
Queres um cafezinho? Deixa, não te levantes, deixa que eu faço sinal para virem cá fazer o teu pedido.

Já há um tempinho que não falávamos, já reparaste? O que tens feito?
Tenho-te visto aqui e ali e nunca mais me vieste dizer olá...

O que aconteceu? Eramos tão chegados há uns aninhos atrás.

>> Bom dia. Sim, era só mais uma bica, se faz favor. E tu, que desejas? Ok, duas, se faz favor. Obrigado.

Ainda antes de me teres dito olá já viajavas nos meus pensamentos, sabias? Ainda me lembro quando me sussuravas ao ouvido com promessas doces. Fizeste-me sentir que o conforto frio do teu abraço era a unica coisa que precisava.

Foram uns bons momentos ainda, o nosso namoro.
As tuas falinhas mansas fizeram-me querer deixar tudo de lado.
E quando não consegui, o que fizeste?

Pois, agora já não dizes nada... Deixa estar que respondo por ti.
Deixaste-me em paz e foste à busca de outra vítima.

Tens prazer no que fazes? Procurar homens e mulheres em momentos de fragilidade? Atraí-los para a tua armadilha com falinhas mansas? Atacá-los na cabeça, no coração, no corpo?

E o que fazes quando vão contigo? Nunca mais oiço falar dessa gente...

O quê? Esse misterioso alguém acabou de chegar?
Deixa-o esperar mais um pouquinho. Acaba o teu café, que ele ainda não te procura.

24 maio, 2019

Deixa-me dizer-te...

Gostava que as coisas simples nos invadissem de novo.

O frenesim das borboletas coloridas na barriga enquanto os pensamentos se atropelam e o coração bate louco.
A pele salgada e os arrepios... Um olhar doce e o nervoso miudinho.
O azul da noite… O querer mais…

Apareceste sem avisar, partiste sem te despedires. Sobrou uma data de recordações e um amor no peito que ainda hoje carrego.
Perdi-te o rasto, mas deixaste aqui a tua marca.

Até hoje.

22 maio, 2019

O Boris ou o meu reflexo no espelho da Alice

O Boris apareceu lá em casa, como aparecia toda a gente, pela mão da minha miúda, que um dia até fez uma amiga para a vida na fila dos Correios. Estávamos meio perdidos na Londres dos finais de 80, e era engraçado aquele corropio de gente nova que ela trazia não sei donde, quase todos os dias, ao minúsculo bedsit onde vivíamos. Oferecíamos o café ou o chá da praxe, uns paravam e iam ficando, outros desapareciam.

Ela vinha contente, via-se no sorriso radiante, já a prevenir-se dos dias em que eu não tinha pachorra para aturar as maluqueiras que entravam pela porta, que também os havia. Vinha com um rapaz.

Arroz Doce, este é o Boris (façam um esforço para imaginar que todas as conversas neste texto são em inglês e não traduções rascas da minha memória, que nunca mais foi a mesma depois que nasci. É claro que Arroz Doce, é Arroz Doce, não tem tradução em língua nenhuma, talvez em malaiala, mas não estou nem aí).

Adiante, recomecemos. Arroz Doce, este é o Boris, conheci-o no (qualquer sítio) e fogo, tem a tua idade, man. A minha idade, pensei eu, a miúda está-se a passar, o que não falta aí é pessoal com a minha idade.

Pois, mas o Boris tinha nascido no mesmo ano, mesmo dia e na mesma hora que eu. Como ela tinha descoberto aquilo não sei, mas foi um momento novela mexicana, de levar às lágrimas. A amizade e a cumplicidade estavam criadas havia vinte anos.

O Boris era um gajo elegante (magricela), cheio de falta de sol, como eram aqueles gajos todos, com caracóis que dos lados esticava para trás. Falava rápido e pelos cotovelos e sempre com convicção e eu só percebia metade do que dizia. Ele olhava para a minha cara e repetia três, quatro vezes, mas era sempre de maneira diferente e eu ia dizendo yes man, yes.

Vestia um Bomber Jacket verde, daqueles laranja por dentro, os melhores casacos do mundo e por acaso, ou neste caso sem ser por acaso, eu tinha um preto que comprara semanas antes no Camden Market. A gaja que o vendeu, no meio da confusão que aquilo era, tentou sacar-me duas libras a mais, mas a miúda topou-a e ela começou a falar cockney, luv para aqui e luv para ali, mas teve que devolver a massa, fosse enganar turistas para o raio que a parta.

O Boris usava umas 501 enroladas em baixo e uns sapatos Doc Martens. Uma argola na orelha. Um gajo vulgar, doido qb. Uma versão inglesa da minha pessoa, não fossem os olhos azuis, o cabelo louro, o casaco ser verde e ter um jipe.

O Boris sabia o que queria. Insistia e convencia. Naquele primeiro dia,insistiu que fossemos a casa dele, algures em Kensington, para lanchar ou coisa do género, pensámos nós. Era uma fase em que andávamos a comer empadas congeladas por isso fomos e também porque o gajo era um baril. Chegados lá, começou a pôr tudo o que havia de comida para um saco e nós sem perceber bem o que se passava. Frigorífico, prateleiras, despensa, ia tudo a eito, até que chegou a mãe e perguntou, o que estás a fazer Boris, e ele, eles precisam da comida, e a mãe com aquela elegância e paciência que só alguns ingleses sabem ter, mas Boris, não pode ser assim, e nós constrangidos como o caraças, mas o Boris levou a comida e assim é que rodava o mundo. Hoje nós, amanhã ele.

O Boris tinha um jipe, um jipe mesmo, daqueles antigos verdes, da guerra, sem capota e penso que sem suspensão. Era uma loucura andar naquilo, nada o parava, só a falta de gasolina. De vez em quando lá fazíamos uma vaquinha, aquela cena bebia para caraças, mas toda a gente virava a cabeça para ver os três malucos a passar, nós dois e o jipe.

Um dia, tínhamos estacionado e vimos dois bobbies a vir na nossa direcção. Eu estava há um ano no UK com visto de turista, que tinha expirado há nove meses (Portugal ainda não estava na treta da CEE). Era uma cena banal, mas podia ser deportação à vista. O Boris disse, não saias daqui, e eu ali fiquei sentado no lugar do morto. Saltou do jipe, abriu o capô, o que atraiu os boobies e passado cinco minutos de conversa da treta e de mostrar óleos e motores de arranque e tal, eles basaram sem sequer olhar para mim.

Foi com ele que pela primeira vez entrei num dos Tower Blocks de Londres, aqueles do "London's Burning” dos Clash. Era em Ladbroke Grove, acho eu, e estava à espera de demolição, pois os tetos tinham amianto. Nunca vira nada assim, os moradores tinham sido realojados, mas o Council continuava a pôr lá algumas famílias. Havia portas com pinturas a dizer legally occupied e com gradeamentos de ferro por fora, mas a maior parte dos apartamentos da torre de vinte andares eram squats. Era um mundo louco, decadente, muito perigoso e muito rentável para alguns negócios, mas falarei disso noutra altura.

O Boris vivia à vontade, sem artifícios, como se o mundo fosse seu. Um dia levou-me ao pub dele para conhecer os amigos. Estava lá a namorada, que transpirava beleza e classe. Ele pouco falava dela e pouco lhe ligava, aliás, dizia que só andava com ela porque ela fazia uma coisa que não vou aqui dizer, afinal de contas era a vida deles e também não é nada do que essas mentes doentes estão a imaginar, por isso esqueçam.

No meio de umas pints, apareceu um gajo da nossa idade, mas com cara e caparro de hooligan bronco, que num grunhido perguntou quem eu era. O Boris levantou-se, chegou-se a ele, que tinha mais um palmo de altura e disse, é o meu amigo português, o Arroz Doce, e é muito mais inteligente do que tu, fala três línguas, tu és estúpido, nem uma sabes falar. Normalmente, como se estivesse a dizer que ia buscar outra cerveja. O outro continuou com cara de idiota a olhar para nós e eu fiquei à espera de levar com um copo na cabeça. Não valia a pena, o Boris já estava noutra, o gajo virou as costas e foi-se embora.

Perdemo-lo quando mudámos de casa. Naquela Londres mudávamos como quem despe uma t-shirt dos Smiths e veste uma dos Jesus. A cidade era enorme e não havia telemóveis.

O Boris passou uns meses pela minha vida e ficou para sempre. Afinal, nascera 
no mesmo ano, no mesmo dia e na mesma hora que eu.

Fogo, que vida marada que eu já tive.



18 maio, 2019

De frente para o Passado e de costas para o Futuro

Vivemos de costas para o Futuro e de frente para o Passado. De frente para o que conhecemos, de costas para o que desconhecemos. A teoria não é minha, mas até faz sentido. Vou aqui aplicá-la àqueles ditos que gostamos de atirar uns aos outros. Perdoem desde já a confusão do texto, porque nem eu percebo muito bem o que estou a escrever. É um raciocínio fútil num papel digital.

"Tens o Futuro todo à tua frente".
Isto é dito e sublinhado ao jovem e impede-o de viver plenamente o Presente, que é o único espaço em que o Passado e o Futuro se confundem. Na verdade, o que se está a dizer é para se viver o Presente, quando se tiver mais Passado. Mas se o fizermos, só estaremos a acumular Passado irrelevante à nossa frente. Porquê? Tirania inconsequente.

“Ainda tens o Futuro à tua frente”.
Do nada, esta aparece pela boca de alguém e aceitamo-la, porque estamos moldados mentalmente para que o futuro esteja à nossa frente, embora para efeitos deste texto seja o contrário. A adição da palavra "ainda" tem várias implicações. A primeira é que algo falhou no passado e é necessário acreditar que, algo que desconhecemos e para o qual estamos de costas, a irá resolver. A segunda poderá ser condescendência, mas pensem vocês nisso.

"Tens todo um Passado atrás de ti".
Mais uma incorretice pois vivemos virados para ele. É uma frase de reforço de auto-estima e de orgulho, por vezes soberba ou ironia, mas é inócua, é apenas uma mentira banal. Estamos virados para o Passado, por isso sabemos bem o que ele foi, o que não sabemos é o que está nas nossas costas, o Futuro. A verdade é que andamos para trás para o Futuro, que só então nos aparece à frente como Passado...

Por último, chega-nos “Põe o Passado para trás das costas" ou "Esquece o Passado".
A primeira, no sentido literal corrente, nem sequer faz sentido, porque já é crença que o Passado está atrás das costas, embora não o esteja, ou então, indo à outra, como podemos esquecer algo que está à nossa frente em prol de algo desconhecido para onde andamos às arrecuas?

Viver de costas para o Passado é como apagar a luz, não há redenção. Viver de frente para o Futuro, é andar com um véu opaco.

Andamos a enganar-nos no Presente....

16 maio, 2019

Lembras-te?

Lembras-te do longo abraço que partilhámos quando cheguei à estação? Quando o mundo todo parou nesse momento, só para podermos partilhar saudade, amizade, amor e calor? De quando nos conhecemos e entrelaçámos as mãos?

Lembras-te de quando tivemos que abandonar esses momentos de fantasia e voltar para a vida real? Que voltaste comigo no comboio só para podermos partilhar mais um efémero momento de inocente paixão?

Lembras-te de quando te disse até breve? Do que sentiste quando não foi breve? De quando esse até breve se tornou em nunca mais?

Lembras-te de ver a tua vida passar, e passar a tua vida a ver esses momentos na tua cabeça? Lembras-te do arrependimento que sentiste perder todas e mais uma oportunidade de conseguir voltar-te a ver?

Lembras-te da angústia que sentiste por todos os erros que cometeste na tua vida, que impossibilitaram o reencontro? Da eterna busca que fizeste para voltar a encontrar um calor igual ao que sentiste quando nos unimos? Do que sofreste por nunca mais nos podermos tocar?

Eu lembro-me…

Foste testemunha e cúmplice.
Foste quem sofri sem sequer saberes.
Foste quem do meu lado negro protegi.
Foste o maior erro que nunca cometi.

14 maio, 2019

Filosofia F**K THEM

O que andamos por aqui a fazer... Ora bem, esta é a pergunta primeira de qualquer filosofia que se preze. Para mim, talvez fosse mais importante o que fazemos enquanto cá andamos, vincando o "talvez".

No fundo acredito que nada é importante. Nada interessa. Se temos muito, se temos pouco, se fazemos por isso ou não, se não limpamos a boca ao guardanapo, se comemos o frango com o mindinho esticado para cima, se gostamos de música pimba e de piqueniques do Modelo, ou se vamos ao Lux, ou a festivais de Verão. És assim, gostas e ages, dá-te prazer. Não incomodas os outros. Acabou. O resto não interessa. Para nada. 

Não andamos cá para provar nada a ninguém. Quero lá saber se me dizem que devia fazer isto ou não fazer aquilo, ser mais isto ou ser menos aquilo.  Sorrir ou chorar.  Trabalhar ou mendigar. Correr ou parar. Santo António ou Marquês de Sade. Que se lixe, isso são intromissões e eu não ando cá para viver pelas medidas dos outros. F**K THEM. Faço assim, ou não faço e acabou, porque gosto de o fazer assim, quero-o fazer assim e posso-o fazer assim. É isto que me dá prazer. 

Uma questão se impõe. Seria mais feliz se a minha vida fosse diferente? O segredo é este: a felicidade não existe, ninguém é feliz sempre e quem o diz mente. A felicidade, como um todo, é sobrevalorizada e é uma mentira. Existem curtos momentos de felicidade, a que não damos valor, pois naquele momento parecem a regra e não a excepção, mas é só isso que existe e quanto mais depressa o aceitarmos melhor. Aproveitemos-los e façamos o que nos dá prazer, ou se não pudermos, tiremos algum prazer do que fazemos. Ponto final parágrafo. 

12 maio, 2019

O coreto da Casa Grande

Quando o primeiro Senhor da Casa Grande, que tinha esmagado a Revolta do Sangue dos Húngaros, perguntou à Senhora o que faltava fazer no jardim, ela respondeu, um lago com cisnes, um labirinto de sebes floridas e um coreto. E assim se fez.

A Casa Grande era firme, parecia um castelo de pedra preso nos cordames de trepadeiras, trazidos das terras da Alsácia, tão grossos que a Norte não se viam as paredes. Tinha dezasseis quartos, oito salões, duas salas de fumo, duas salas de leitura, duas cozinhas e duas casas de banho, uma delas com duas banheiras. A casa era fértil, todos os seus amos tiveram descendência. Ao fundo do jardim perdiam-se de vista as terras do Senhor da Casa Grande.

O coreto era branco, com um gradeamento arredondado na esquadria e pássaros pintados de azevinho nas bordaduras da cobertura, que parecia um suspiro apoiado em cinco colunas de ferro, entrançadas em si próprias. O piso era de madeira alisada à mão e a cave da base era a serventia do jardim. Duas escadinhas de ferro, curvadas num V que parecia um coração, davam acesso ao coreto. Não era grande, apenas o suficiente para dez casais dançarem a valsa.

No tempo do segundo Senhor da Casa Grande, que saíra vencedor da Guerra da Brasa dos Ferros, o coreto fora pátio de casamentos. Num dia de muita alegria celebrava-se o casamento da filha mais nova das doze filhas dos Senhores, quando caiu uma chuva forte, seguida de bolas de granizo. O padre abençoou os noivos e fugiu do coreto, atrás dos outros convidados que se refugiaram na casa. Um serviçal foi enviado para socorrer os noivos, mas ficou ignorado junto à escada a ensopar-se, estoicamente de braço esticado a segurar o guarda-chuva, à espera que no coreto acabassem a primeira dança.

Um jovem das Terras, a mando da Senhora do terceiro Senhor da Casa Grande, que derrotara os Hunos da Peste numa guerra sem quartel, ia lá tocar violino uma vez por semana. Sozinho no coreto, embalava os presentes até o General da Guerra dos Apeninos acordar, e com voz militar soltar um firme Bravo! O jovem deixou de ir quando a Guerra Maior rebentou, mas foi substituído pelo filho do Senhor, que não tinha talento para a música, mas que fazia soltar muitos Bravos por baixo do coreto, quando por ali rebolava na palha com alguma rapariga da casa, que por essa altura tinha 40 serviçais.

Anos passados, os dois filhos mais novos do quarto Senhor da Casa Grande, que arrasara com crueldade o motim dos Lobos Negros, pegaram numa lata com um resto da tinta amarela que servira para pintar três tectos em dois quartos, e rodaram os pincéis pelas paredes do coreto, enquanto os jardineiros sorriam das traquinices dos jovens Senhores. Depressa os moços se cansaram e o coreto ficou durante meses meio amarelo, até que um infeliz jardineiro levou com o pingalim do Senhor e o seu filho acabou de pintar o coreto.

Um dia, uma banda dos terrenos búlgaros veio tocar no jardim do quinto Senhor da Casa Grande, que os conquistara na Guerra das Sardenhas, mas o coreto era pequeno e os pífaros, que ficaram de fora, não se faziam ouvir porque as tubas e os tambores, lá de cima ribombavam tanto que abanavam as árvores. O Senhor, furioso, só lhes pagou metade do acordado e ameaçou largar-lhes os cães.

Também por lá passou, pela casa dos cordames, uma geração de sonhadores. A Senhora e o sexto Senhor da Casa Grande, que fora herói ao espezinhar a Revolta dos Cepos, deram ordens para se pôr bancos de jardim no coreto e ali ficavam perdidos a olhar o céu, à noite, e a ensinar aos pequenos o nome das estrelas. A única luz que se via era a cigarrete do Senhor, que luzia no escuro. No verão ouviam-se as rãs do lago e nas noites escuras de inverno, os veados que andavam pelos campos da Casa Grande e de dia enfrentavam as balas, eram atraídos pelo fumo, mas só deixavam ouvir os cascos no saibro do caminho.

Outro ano ainda, o doutor, homem pacato que nunca guerreara, mas que cortejava a herdeira da casa há dois anos, numa noite iluminada ajoelhou-se no coreto e pediu-a em casamento. A menina gritou sim e puxou-o, agarrou-o e beijou-o com força, enquanto lhe apertava as nádegas. O doutor, habituado a só ver eczemas, inventou uma viagem súbita e fugiu. O sétimo Senhor da Casa Grande, que vencera com glória a Guerra da Mão Beijada, ficou feliz por ver desaparecer tal cobarde. O homem não voltou às Terras. A menina chorou dias a fio, até que um primo lhe deu um colar de ouro, pilhado na Guerra do Sul, e enquanto cheirava rapé africano lhe mostrou que havia quem gostasse de moças fogosas. Partiu para o Equador para combater na Guerra Menor, mas regressou sem glória à Casa Grande, sem ter lutado uma única batalha. A herdeira já casara e o casamento fora no coreto.

O coreto deixou de ter serventia quando morreu de parto a Senhora do oitavo Senhor da Casa Grande, que o deixou com oito filhos, uma melancolia crónica e uma guerra interior. Um jardineiro cortava as ervas que iam crescendo, mas o chão de madeira estava corroído do bicho e nas ferragens brancas viam-se manchas vermelhas, onde a ferrugem rasgava a tinta.


10 maio, 2019

As paredes também falam


Faz tempo que não durmo como deve ser. Entre um pensamento e outro, somam-se as noites mal dormidas. Os olhos fecham-se, a cabeça, essa, não para. As paredes que me cercam têm assistido a este desatino. Há já alguns dias que estou instalado num canto deste prédio devoluto, palco de prazeres clandestinos e testemunha de atos proibidos. Sinto-me bem aqui, gosto de me sentar na escada em caracol durante longos períodos a olhar para as paredes que me cercam. À minha frente, desfilam desenhos de cores berrantes, mensagens de amor, rabiscos e  alguns impropérios na língua de sua Majestade.

Desde a imagem de um Pessoa com óculos tridimensionais a VOTA PCP, passando por FUCKING ASSHOLE! Tudo aqui é permitido. Parece que até o Ribas sorri já numa das paredes da cidade. Nem esquecido, nem censurado!

Gosto desta linguagem intencional com aroma de transgressão, destas manifestações artísticas a que chamam arte urbana e que fazem da cidade uma galeria a céu aberto.
No meio de toda aquela explosão de cores e significados, destaca-se um miúdo de boné enfiado nos olhos que segura um cartaz onde se pode ler Quando for grande quero ser feliz.

Quem não?

08 maio, 2019

Os riscos do disco no gira-discos

Os discos giravam no gira-discos, os discos tinham riscos, era um gira-discos, uma aparelhagem, o gira-discos tinha um braço, o braço tinha uma agulha, tirava música dos discos, giravam no gira-discos, uma aparelhagem, fazia riscos, era aquela música do disco, do álbum, hoje é vinil, pouco se usa, o disco riscado pela agulha do gira-discos, a agulha era fina, era aquela música do disco, nem sempre era a música, eram três notas que arrepiavam, duas palavras cantadas, e eu levantava o braço do gira-discos, apontava a agulha aquele risco do disco, o risco de onde saia a música, aquela música, aquelas notas, aquelas palavras, valiam mais um risco no disco que girava no gira-discos, largava a agulha, o disco reclamava, não tinha pontaria, dzzzzzzzzzzz, mais um risco a juntar aos do disco, o disco girava, quando as guitarras disparavam, sempre a subir, a subir como deve ser, aquela parte que vocês sabem, voltava atrás e para a frente, no disco, repetia mil riscos, saltava no quarto, partia o candeeiro do tecto, a música, sempre a música, cinco segundos só, tantos riscos no disco do gira-discos, havia sempre aquela música, começava num risco, aquela nota em cada música, a voz, a alma, onde deixava cair a agulha, no sítio onde via o risco, que tocava o disco, o disco reclamava, fazia dzzzzzzzzzzzz, não era ali, eram três milímetros à frente, três segundos atrás, levantava a agulha do gira-discos onde tocavam os riscos do disco, mais um risco, era ali, o prazer do risco mil vezes, o momento, o prazer associado ao risco, um excesso de riscos, riscava a alma do disco, mas quando era a Patti Smith, mas quando era o Horses, mas quando a Patti Smith girava na agulha do disco que girava no gira-discos, mas quando o gira-discos rodava o disco da Patti Smith, cheio de riscos, mas quando chegava ao "Land" no disco riscado, a agulha mergulhava, gastava-se de girar, voltar a girar, sempre a girar, eu sonhava sonhos longínquos, eu sonhava sonhos inquietos, a agulha riscava o disco no gira-discos.
Era um pesadelo acordar do sonho, 9:26 depois, para ir fazer outro risco, no disco que girava no gira-discos.
"go Rimbaud, go Rimbaud, go Rimbaud"




06 maio, 2019

Algodão doce e shots de vodka


Embora me tivesse confessado Um dia, hei de escrever-me, não o fez. Eu sabia que queria muito, mas as palavras às vezes são difíceis e teimam em não sair. Tomei então a decisão de ser eu a fazê-lo, mas não lhe disse nada, é um segredo.
Alguém disse um dia (já não me lembro quem) que as raparigas demasiado bonitas causam tristezas. Devia saber o que estava a dizer. Aqui não era o caso. A rapariga sobre quem escrevo tem aquilo a que se chama uma beleza selvagem e a mim só me trouxe alegria.
É uma alma sensível e rebelde ao mesmo tempo. A irreverência e a cortesia num mesmo ser. Um festival de antagonismos!
Usa o cabelo escuro num corte irregular. Gosta de o prender com um lápis de uma forma desarrumada. Os olhos castanhos esverdeados adquirem uma tonalidade mais clara nos dias de sol como que a querer celebrar a luz. É uma rapariga de sorriso fácil. Diz-me muitas vezes que, numa mulher, o sorriso é tão ou mais importante do que a maquilhagem. E é bem mais saudável. Quando não sorri, o que é raro, a sua tez torna-se opaca e adquire uma lividez assustadora. É sinal de tristeza ou de adversidade. Transfigura-se. Quem a está a ver, percebe logo que há ali algo de errado, ainda que não a conheça no absoluto.
Gosta de falar, mas precisa de momentos de silêncios. Muitos, mas curtos. Depois desse intervalo, retoma a habitual tagarelice e tudo volta à normalidade.
Teima em não largar os jeitos de miúda apesar da idade já ter manifestado os seus sinais. Não tenho medo de envelhecer diz tenho é medo de morrer. À velhice dá-se lhe a volta. Quanto à morte, essa é que nos dá a volta a nós. Sem lugar para reclamações! End of story!
Jeans rasgados e ténis num dia, vestido mais formal no outro. A roupagem escolhida fica por conta do estado de espírito.
Se gosta, gosta muito. Se não gosta, não odeia; ignora.
Passam pessoas por mim, mas nunca ficam por muito tempo. Esta entrou na minha vida há muito e não quero que saía dela enquanto quiser cá ficar.
Lembro-me de lhe perguntar uma vez Quem és tu quando ninguém está a ver?
Na altura, riu-se e respondeu-me Não sei, diz-me tu! Quem está a ver é que saberá responder!

05 maio, 2019

Mãe


Desejou-me.

Combateu nas minhas batalhas.
Superou as minhas guerras.

É feliz por eu existir.

03 maio, 2019

Cicatrizes


A mesa de trabalho era uma permanente desordem. Debaixo de pilhas de papéis e de livros, podiam encontrar-se cigarros amachucados, mortalhas e fósforos queimados. Gostava do ritual do fumo, desde o ato de escolher até o enrolar o tabaco nas mortalhas lisas antes de o fumar. Um vício que o acompanhava desde a adolescência, mas que continuava a ser um prazer. Não gostava da ideia dos cigarros industrializados, iguais, arrumadinhos numa caixinha de cartão duro. Havia como que um glamour naquela preparação artesanal, naquelas nuvens de fumo denso e azulado. Se em tempos era visto como uma coisa de velhos, dava-lhe agora ares de modernidade.

O álcool era, havia já muito, um velho aliado. Dada a natureza solitária do seu trabalho e as dores da vida que experimentara, encontrara nele o antídoto para a timidez e para a produção de lampejos criativos. Antissocial assumido, bebia sozinho e de forma descontrolada. Na sua relação íntima com a bebida, vivia num perpétuo estado de letargia. Nos seus raros momentos de sobriedade, chegamos a trocar impressões sobre o romantismo sombrio de Poe, o simbolismo de Rimbaud e o decadentismo de Álvaro de Campos. Conversas de haxixe e de absinto, melhor dizendo! De resto, era homem dado a poucas falas, pouco preocupado com a complexidade humana que outrora deixara algumas cicatrizes no seu império interior. 

Não preciso de ninguém dizia tenho o que me faz falta. Vivo muito bem assim com os meus livros e o meu silêncio.

Eu, que já o conhecia havia muitos anos, sabia que era mentira. Desejava ouvir vozes, barulhos e sentir cheiros à sua volta. Optara, no entanto, por renunciar a todos eles, cobiçando-os apenas em segredo. Apresentava uma tristeza no rosto e nos modos, um semblante duro onde o sorriso se tinha desvanecido havia demasiado tempo. A doçura habitara um dia nos seus olhos de um azul-acinzentado que se mostravam agora apagados e descrentes. Não nos víamos muitas vezes. Ele, que insistia naquele retiro decadente, não gostava de receber visitas. Éramos amigos ou tínhamos sido um dia. Afligia-me o seu estado de tristeza profunda.

 És mesma parva ralhava ele Quem é que anda triste aqui? Nunca estive tão satisfeito na puta da vida.

Se estás assim tão bem, para que é essa merda toda que enfias pela goela abaixo? inquiria, furiosa, apontando para as inúmeras caixas de comprimidos que guardava numa das gavetas da secretária.

És como todas as outras, uma chata com a mania que sabe tudo. Mais a merda! Um gajo não pode tomar uns comprimidos para as dores, que é logo drogado ou está com depressão. Têm todas a mania que são espertas! Sabes o que andas a fazer , tu? És um modelo de perfeição! Põe-te a andar daqui para fora, quero ficar sozinho. Não me apareças mais pela frente!

Assim que a razão dava lugar àquela fúria desmedida, saía porta fora, deixando-o a proferir imprecações contra tudo e contra todos.

Passaram-se muitos meses até que tornasse a vê-lo. Demasiados. Ao longo de um decadente processo de lentificação motora e do pensamento, perdera-se da pessoa que tinha sido. A loucura apoderara-se do Pedro que jurava que os via todos, agora com a maior clareza, que nunca se tinha sentido tão completo.

Os gajos finalmente saíram de lá de dentro e falam comigo. Contam-me tudo! murmurava baixinho apontando para os livros que tinha na cabeceira. Envolto naquela alienação, sorrira, puxara-me para ele e segredara-me ao ouvido: Dizem que estou todo baralhado! Tretas, nunca estive tão lúcido na puta da vida!

Naquele momento, tive a certeza que nos perderíamos um do outro e não faltaria muito tempo. De facto, passaram-se apenas três dias para que me despedisse de Pedro na semi-obscuridade do quarto de onde se ouvia o vento levar para longe o grito de uma gaivota.


01 maio, 2019

Devaneio sobre o devaneio

"O tempo é um ser difícil. Ainda no outro dia era primavera e já aí vem o outono. Tenho de tirar da gaveta a roupa de inverno, as camisolas de gola alta. As botas também. A manhã está fria mas não corre vento. Ainda bem, senão era um gelo ."

Ela seguia pela rua, ia apanhar o autocarro. Os seus pensamentos cruzavam-se, sabemos como eles são, quando estamos a pensar numa coisa, já estamos a pensar outra. Naquele dia, pensava mais no tempo, esquecendo-se por momentos do essencial, do amor que a acompanhava.

"Está tudo molhado, será que choveu de noite? Deve ser o orvalho. Ainda corre naquelas folhas. Tenho que regar o jasmim. Os coentros rebentaram, mas a salsa não quer crescer, alguma coisa correu mal, vou perguntar ao jardineiro.

Que falta me fazem as flores nas árvores, as cores todas, as sardinheiras nas varandas. Não tarda caem as folhas, com este tempo todo baralhado. Gosto do cair das folhas, parece ouro, mas traz-me melancolia. Estou farta do calor, nunca mais passa para me dar algum descanso.

As nuvens estão mesmo cerradas, ainda vem aí chuva, mas na meteorologia não disseram nada.  Não gosto de trovoada, assusta-me. Será que tenho o guarda-chuva pequeno na mala, deixa ver. Não está, tenho que me lembrar de o pôr.

Olha ali um raio de sol a querer furar, que bom, um pouco de calor nesta manhã fria. Tenho as mãos geladas. Passa pelo meio das nuvens, tão brilhante, só pode ser esperança e alegria para o futuro. Mesmo por cima desta árvore, é estranho, um raio tão luminoso e tão fino.

Está alguma coisa a cair da árvore, vem aí a flutuar, vai pousar na minha mão. É a primeira folha de outono, que alegria, já tem em si todos os cheiros e cores do mundo. Prenda divina, vou guardá-la num livro e será o meu segredo, só meu e e do raio de luz.

Espero que haja lugar no autocarro, doem-me as costas. Olha o Sr. José, dá-me sempre o lugar. Obrigado Sr. José."

Pousou as mãos no ventre, amparando-o, e em vez do pontapé costumeiro, sentiu um calor como se as outras mãos encontrassem as suas, num elo de felicidade e prazer.

"Se for menina há-de ser Inês, se for menino será Pedro", e lembrando-se do raio de sol e da primeira folha de outono, riu para dentro e pensou "... ou Jesus."