21 outubro, 2019

Há dias assim, depois há outros...

Há já uns dias que levanto o nariz para o céu curiosa com o voo das aves. Procuro distinguir os pombos das gaivotas. Não perco tempo a olhar para os pombos, não gosto deles. Já as gaivotas, são merecedoras da minha atenção, trazem-me à memória recordações felizes. Por elas, demoro-me ali a vê-las planar no céu já a iluminar-se, por cima do largo. Gosto do grito das gaivotas, parecem chamar-me. Embora esteja no centro da cidade, trazem-me o cheiro da maresia, o mar revolto, a areia molhada, a neblina.
As manhãs vão ficando cada vez mais escuras e frescas. Não tarda vem aí a chuva e com ela o vento frio. Por enquanto, ainda visto roupas leves, mas sinto frio. Tenho as pernas arranhadas. Doem-me. Calcei novamente os ténis velhos.Todos os dias, ao acordar, decido que vou trocá-los por outro calçado, mas acabo sempre por ir buscá-los. Já estão gastos e descolados, mas são confortáveis. Demora a chegar o autocarro hoje. Tenho a cabeça a latejar, preciso desesperadamente de um comprimido e de um café. Ainda só engoli um iogurte líquido, mas ao contrário dos outros dias não sinto fome. Aí vem ele! Que raiva, o passe nunca pica à primeira! Estão duas mulheres sentadas lado a lado. São as únicas vozes que se ouvem.
Era o que faltava levantar-me às cinco e meia para apanhar o barco das seis. Vou aqui que vou muito bem. Não fazia mais nada da vida, queixa-se a primeira. Fazes bem, sempre vens mais descansada, responde a segunda.
Falam alto. Não gosto de ouvir falar alto, muito menos àquela hora. Nas primeiras horas da manhã, preciso muito de silêncio embora fale muito o resto do dia. Ontem, deixei passar a minha paragem. Quando me apercebi, já estava longe. Tive de andar tudo para trás, foi cansativo. Hoje estive mais atenta.
Faltam trinta minutos até estar na hora. Tenho muito tempo. Entro na pastelaria. 
Bom dia, é o costume? A meia torrada e o café? pergunta-me o senhor João. Bom dia, é sim obrigada. Hoje fico cá dentro, lá fora está frio. Pois é, já apetece um agasalho. Ontem à tarde, tive daquele bolo caseiro de que tanto gosta, mas não apareceu por aqui. Pois não, ontem não estava nos meus dias, fica para a próxima, respondo sem tirar os olhos da rua. Ah isso é que não pode ser. Tristezas não pagam dívidas. Não pode fechar o sorriso à chave durante muito tempo. 
Não me apetece conversa, só o conforto de um café bem quente.
Aqui tem , um euro e noventa e cinco para não variar. 
Como porque tem de ser, já o café bebo-o com muita satisfação. Se mais houvesse, mais bebia. Não pode ser, não posso abusar, coisas da tensão arterial. Está quase na hora e não me apetece sair de onde estou, mas levanto-me e vou pagar.
Até amanhã! , despeço-me. Até amanhã, obrigado!
Vamos lá. Os dias da semana seguem um após o outro. São sempre os mesmos. Não, na verdade não são. Têm é sempre o mesmo nome. Há dias cinzentos e outros azuis, dias com cheiro a fumo, outros com perfume de jasmim, dias cheios de vozes, dias de ninguém e de nada, dias felizes, outros nem por isso.
Há dias assim, depois há outros...

2 comentários: