02 setembro, 2019

Os emigrantes pt3 - As férias


Os homens reencontram-se. Bebem copos com os familiares e os amigos e adiam as querelas. Os de cá dizem porra pá, estás gordo como um bácoro, e um outro reforça, é só toucinho, já não sabes pegar na enxada. Picam o Quim "da Alemanha", pareces uma vara, as alemãs desgraçam-te! e ele rebate desde que a vara não murche, e entre gargalhadas conta pela centésima vez que as gajas são todas louras, mesmo por baixo e aponta, e que fazem em todo o lado, ele também já fez, até no meio de uma ponte do comboio. Ficaram à rasca das costas, manga o Manel da Lage, mas o "alemão" não se fica, eu não, fiquei sempre em cima, e a risota é geral. Este Quim gosta de pagar rodadas e de contar anedotas, é uma alegria.

Mas é homem sério, chegado às suas gentes e não se esqueceu de ir pedir a bênção ao seu padrinho de baptizado, beijar-lhe a mão e abraça-lo e receber as "amêndoas" da Festa, que tanto custou ao velho a juntar. Ia a dizer meu padrinho, não é preciso, mas arrependeu-se a meio caminho e ainda bem, o velho segura-lhe a cabeça entre as mãos e puxa-o para si. Com a lágrima ao canto do olho, porque os homens não choram, diz-lhe cuida da tua família Quim, a família é tudo, Deus vos dê saúde. O Quim promete e é promessa para cumprir, a família é o seu mundo, para isso funde ferro naquelas terras de gentes que não percebe. O trabalho é duro, mas graças a Deus é todo pago.

Revêm-se antigos amores, ela murmura, eu esperei por ti, tu não esperaste por mim, e ele não sabe o que dizer pois é a vida, tinha que continuar e responde tenho mulher e um filho, tu tens um homem que te ampara, e seguem caminho os dois tristes, mas um mais que o outro. O amor também existe, mas é como um filme, tão perto e tão longe e às vezes falha-se a sessão. Também os noivos se encontram e quando há casório na altura da Festa de Nossa Senhora, toda a aldeia festeja a dobrar.

Junta-se a família à lareira, as noites são sempre frias. Contam-se histórias de rebanhos e de lobos e também das terras que não dão nada, só ficámos os velhos, e a mãe continua com doçura o teu pai quebra as costas na terra, mata-se, na esperança que o filho diga e diz ó pai, já não precisa de se matar a trabalhar, pare um bocadinho, tem que se poupar e tomar conta da mãe, mas o velho de sobrolho carregado responde, ainda sei da minha vida, sei bem o que fazer, e mais à noite ralha com palavras brutas enquanto ela se encolhe na cama, ainda tenho duas mãos para trabalhar! Orgulho de velho.

Fala-se também dos que tiveram que fugir, dos que foram a salto em grupos ou sozinhos pela raia como contrabandistas, com uma sacola ao ombro por vales e montes, caçados pela Guarda deste lado e recebidos a tiro pela Guardia do outro lado. Fala-se do frio na Suiça e que nevou em Paris, da pinga francesa que não presta, dos espanhóis que são de desconfiar, das suas pesetas que não prestam e dos francos e marcos que valem o mundo em Portugal. Falam de uma coisa dos países onde vivem chamada Democracia e que toda a gente pode falar com toda a gente e dizer o que pensa e votar. Estas conversas deixam os velhos assustados, não falem nisso, que passou aí a Guarda. Eles riem, mas sabem bem a diferença entre viver pobre em Portugal e pobre em liberdade e as conversas mudam.

Há também quem tenha o bichinho da pesca ou da caça. Então as espingardas meu pai, estão prontas? Estão ali à tua espera Zé, trouxeste os cartuchos? Sim, tinha-os trazido, aqui em Portugal são caros, e também trouxe zagalotes para os javalis, coisa que o pai nunca tinha visto, mas diz do animal, andam por aí. Num dia, ainda não é madrugada, saem de roupa velha e botas de cardas e vão de carro até à mata com os cães, que começou a época das rolas. Os pescadores empatam as canas, com novos anzóis e iscos com penas, mas é só risos, isso não presta, o que nos vai safar é isto, diz o pai do Sabino e mostra as minhocas num frasco cheio de terra. Sabe os pegos onde o peixe anda e aí vão eles, mais um neto que cedo se aborrece da cana e fica a fazer festas com o dedo aos peixes na cesta. No fundo é celebração porque na bagageira está um garrafão de verde e pães, chouriços e queijo que as mulheres enrolaram nuns panos. 

É preciso tirar as licenças que para os velhos são caras porque é só para quinze dias, mas anda sempre por aí venatória, é melhor não arriscar e a nora remata a conversa, ó ti Serafim, não se preocupe, é para isso que o seu filho anda a trabalhar na França, para que nada nos falta, graças a Deus. Não fala do seu trabalho de costura que faz para uma senhora portuguesa que faz para uma senhora francesa, fechada em casa todos os dias e sem fins de semana, a tratar do marido e dos filhos. O trabalho das mulheres não conta, não é trabalho, é servir.





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