08 setembro, 2019

Os emigrantes pt6 - A partida

Começam a partir aos poucos. Levam chouriços, garrafões de vinho da terra, que esse é que é do bom, e alguns um presunto rijo e salgado, que os pais andaram a curar o ano inteiro e que é uma bênção dos Céus. 

Chegou a vez do Quim, que tem uma viagem de mil e tal quilómetros pela frente. Leva uma grade no tejadilho cheia de coisas da terra, até um saco com laranjas, que ali não são muito doces, mas mesmo assim são melhores que as de lá e é quando as há. Alguns amigos vêm despedir-se. Do padrinho já se despediu ontem. A família chora, a mãe, a mulher. Os jovens e os pequenitos beijam os avós, que às escondidas lhes dão dez escudos e dizem toma é para comeres um gelado e aconchegam-nos no peito. Querem que os netos gostem deles como eles gostam dos netos, mas os miúdos levam poucas recordações, já só pensam nas escolas e nos namoros donde nasceram.

A mãe não larga o Quim e a nora soluçando Nosso Senhor vos dê muita saúde, e o Quim sossega-a, ó mãe não tarda já estamos aí outra vez, e o pai seco, a suster o lacrimejo porque um homem não chora, puxa-o e abraça-o, boa viagem Quim, volta depressa, vem ver os velhotes! Saúde por cá meu pai, voltaremos sim. Entram finalmente no carro e ficam a dizer adeus uns aos outros enquanto não passam a ponte da ribeira e entram na estrada alcatroada, onde a primeira curva corta a vista. 

A Rosarinho do João Maria desfaz-se em lágrimas agarrada aos filhos, porque entretanto chegou a "carta de chamada" da França, para o passaporte de emigrante, enviada por um sócio do primo. A vizinha diz-lhe, não chores, o meu também por lá anda todo contente, palavras que não valem nada, bem ela sabe o que passou quando ele foi pela primeira vez. Ao ver o carro do primo a afastar-se, a Rosarinho aperta mais os filhos e agora todos choram, para onde vai o pai? pergunta o mais pequeno. Ela só pensa, para onde irá o meu homem? Deixa-me aqui, nesta escuridão, nesta terra perdida, poeirenta, acabada. Ele não olha para trás.

Com as idas parece que o verão vai acabando e o nevoeiro do outono se instala.Os velhos parece que ficam mais velhos na sua solidão. Têm conversa para algum tempo, mas depois é esperar ansiosamente por uma carta, que chamam o primo para ler, ou uma chamada para o posto público.

Chegou o inverno. As mulheres e os homens da aldeia rezam e repetem promessas à Virgem, cada um à sua maneira, para que os filhos e a família que andam emigrados estejam bem de saúde e que nada lhes falte, que isso é que é importante, se Deus quiser. 

As saudades são muitas e apertam o peito que doí até correrem lágrimas, mas alguns virão pelo Natal, um raio de sol na chuva fria.

2 comentários:

  1. Uma belíssima coleção de textos e uma emotiva homenagem àqueles que um dia se foram.
    Tocou-me bastante.Obrigada por a ter escrito.

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    1. O gosto da escrita e da leitura a par. Obrigado Lady Marian.

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