Estava calor naquela tarde de domingo. Viera de repente o sol depois de uma
semana de chuva.
Passou o portão de ferro do jardim e foi à procura de um sítio para se
sentar. Avistou uma esplanada para a qual se foi dirigindo à procura de um
lugar à sombra. Infelizmente, não havia. Esperou uns segundos na esperança de
que alguém se levantasse, mas sem sucesso. Olhou em volta e numa mesa mais
afastada estava um homem de barba, camisa branca e óculos escuros ,a teclar
furiosamente num computador portátil. Caminhou para lá e perguntou:
Boa tarde, dá-me licença que me sente na sua mesa? Já não há nenhuma livre
e estou mesmo cansada.
O homem tirou os óculos para melhor a examinar e riu-se.
Porque se ri? Já vi que o incomodo. Desculpe.
Não se vá embora, tenho gosto em que se sente. Ri-me por causa da sua lata,
nada demais. Fez-me lembrar alguém que conheci há tempos, também era assim. Às
vezes, apetecia-me fazer o que acabou de fazer, mas não faço. Não me leve a mal,
sente-se.
Prometo não perturbar a sua tranquilidade, parecia tão concentrado há
bocado. Não quero de todo interromper. Escreve?
Para quem não queria interromper, você fala…
Peço desculpa é um defeito que tenho. Mas vou já pedir o café e enfiar a
cara no meu livro.
Estou a brincar consigo! Eu cá não gosto de falar muito, mas gosto de
ouvir. Perguntou-me se escrevo, sim escrevo. Olhe, ando às voltas com este
texto há algum tempo e não tem sido nada fácil. Pedi a uma pessoa amiga que me
ajudasse e que mandasse escrever sobre maçãs, em vez disso sugeriu que eu
escrevesse uma saga. Pior a emenda que o soneto. Estou para aqui a falar
consigo, mas nem sei o seu nome.
O meu é Mariana e o seu?
Muito prazer Mariana, sou o Luís. Na verdade, ninguém me trata por esse
nome, todos me chamam pela minha alcunha.
Que engraçado e qual é, se é que pode revelar?
Chegue-se aqui que eu digo-lhe baixinho. É um alter ego, ninguém mais
precisa de saber.
Luís segredou-lhe ao ouvido e Mariana riu-se:
Quem teria ideia de ter uma alcunha destas. Nunca tal me teria passado pela
cabeça! Original, sem dúvida.
A Mariana gosta de ler pelo que vejo. E escrever?
Sim gosto de ler e de escrever também. As duas paixões completam-se. Não
querendo ser pretensiosa, nem indiscreta quem sabe não o consigo ajudar com o
seu texto. Quem é a personagem principal da sua saga? Quais são as suas
características?
Olhe, a personagem é um homem de meia idade, as características ainda nem
as defini, a única coisa que sei é que vive numa casa junto ao mar e tem um
barco. O que lhe sei dizer é que, simultaneamente, escrevo sobre outra pessoa,
aquela que conheci há tempos e é bem mais fácil. Sai tudo naturalmente, sem
grandes artifícios!
Muito bem, então assim de repente diga-me cinco palavras que o
caracterizam. Não pense muito, seja espontâneo.
Você tem com cada uma! Cinco características minhas? Isto, não é suposto
ser uma autobiografia.
Vá lá, deixe-se disso! Quer escrever o seu texto ou não? Olhe uma delas nem
precisar de dizer, é a teimosia. Agora faça o que quiser com isso, ou segue ou
desconstrói. Ou a sua personagem é teimosa ou não.
Já vi onde quer chegar. A Mariana é curiosa, mas sim também é uma
possibilidade de eu dar um avanço nisto. Ora assim de repente, diz a Mariana.
Olhe o ceticismo, cada vez menos no geral, mais no particular, ainda assim, sim
a descrença é algo que faz parte de mim. A afetividade, sou de afetos… com
pouca gente, mas sim, entrego-me esperando que não me dececionem, caso
contrário o ceticismo fica mais acentuado. A calma está em mim, gosto de fazer
as coisas calmamente e de pensar de igual modo, gosto muito de silêncio, sabe?
Sei que por vezes é mal interpretado, mas não quero saber, preciso dessa calma
e desses silêncios. Mas também gosto de barulho, música barulhenta, guitarras
principalmente, põem-me bem-disposto. A Mariana gosta de música?
Muito, sou muito eclética sabe? Há quem diga que já ouviu tudo, eu cá acho
que há sempre coisas para ouvir. Mas não se disperse, concentre-se lá na sua
autoanálise. Faltam duas características ou uma, tendo em conta que a teimosia
é sem dúvida um traço da sua personalidade.
Sou teimoso sim e já que adivinhou, não quer tentar adivinhar outro traço?
Pode ser. Embora só o conheça há meia dúzia de minutos, o Luís parece me
uma pessoa insegura. Engano-me?
Reservo-me o direito de não responder à sua pergunta. Sou um gajo
complicado, não me leve a mal.
Não faz mal, não é nada fácil expormos-nos assim aos
outros. Afinal, nem sequer me conhece. Não precisa de dizer mais
nada. Já deve ter material suficiente para dar vida à sua personagem. Pelo
menos para começar. Também já está na hora de me ir embora. Os cafés ficam por
minha conta.
Já vai? Por mim deixe-se estar, estou a gostar de conversar consigo.
Costuma vir aqui muitas vezes?
Não, nem por isso, mas é um sítio agradável. Hei de voltar, quem sabe não
voltamos a partilhar a mesa e a conversa. Tenho mesmo de ir. Obrigada pelo
lugar e pela paciência.
Foi um prazer Mariana. Até um dia!
É isso. Até!
Adorei o texto e a escrita!
ResponderEliminarObrigada pelo feedback!
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