02 junho, 2019

Boa tarde, dá-me licença que me sente na sua mesa?

Estava calor naquela tarde de domingo. Viera de repente o sol depois de uma semana de chuva.

Passou o portão de ferro do jardim e foi à procura de um sítio para se sentar. Avistou uma esplanada para a qual se foi dirigindo à procura de um lugar à sombra. Infelizmente, não havia. Esperou uns segundos na esperança de que alguém se levantasse, mas sem sucesso. Olhou em volta e numa mesa mais afastada estava um homem de barba, camisa branca e óculos escuros ,a teclar furiosamente num computador portátil. Caminhou para lá e perguntou:

Boa tarde, dá-me licença que me sente na sua mesa? Já não há nenhuma livre e estou mesmo cansada.

O homem tirou os óculos para melhor a examinar e riu-se.

Porque se ri? Já vi que o incomodo. Desculpe.

Não se vá embora, tenho gosto em que se sente. Ri-me por causa da sua lata, nada demais. Fez-me lembrar alguém que conheci há tempos, também era assim. Às vezes, apetecia-me fazer o que acabou de fazer, mas não faço. Não me leve a mal, sente-se.

Prometo não perturbar a sua tranquilidade, parecia tão concentrado há bocado. Não quero de todo interromper. Escreve?

Para quem não queria interromper, você fala…

Peço desculpa é um defeito que tenho. Mas vou já pedir o café e enfiar a cara no meu livro.

Estou a brincar consigo! Eu cá não gosto de falar muito, mas gosto de ouvir. Perguntou-me se escrevo, sim escrevo. Olhe, ando às voltas com este texto há algum tempo e não tem sido nada fácil. Pedi a uma pessoa amiga que me ajudasse e que mandasse escrever sobre maçãs, em vez disso sugeriu que eu escrevesse uma saga. Pior a emenda que o soneto. Estou para aqui a falar consigo, mas nem sei o seu nome.

O meu é Mariana e o seu?

Muito prazer Mariana, sou o Luís. Na verdade, ninguém me trata por esse nome, todos me chamam pela minha alcunha.

Que engraçado e qual é, se é que pode revelar?

Chegue-se aqui que eu digo-lhe baixinho. É um alter ego, ninguém mais precisa de saber.

Luís segredou-lhe ao ouvido e Mariana riu-se:

Quem teria ideia de ter uma alcunha destas. Nunca tal me teria passado pela cabeça! Original, sem dúvida.

A Mariana gosta de ler pelo que vejo. E escrever?

Sim gosto de ler e de escrever também. As duas paixões completam-se. Não querendo ser pretensiosa, nem indiscreta quem sabe não o consigo ajudar com o seu texto. Quem é a personagem principal da sua saga? Quais são as suas características?

Olhe, a personagem é um homem de meia idade, as características ainda nem as defini, a única coisa que sei é que vive numa casa junto ao mar e tem um barco. O que lhe sei dizer é que, simultaneamente, escrevo sobre outra pessoa, aquela que conheci há tempos e é bem mais fácil. Sai tudo naturalmente, sem grandes artifícios!

Muito bem, então assim de repente diga-me cinco palavras que o caracterizam. Não pense muito, seja espontâneo.

Você tem com cada uma! Cinco características minhas? Isto, não é suposto ser uma autobiografia.

Vá lá, deixe-se disso! Quer escrever o seu texto ou não? Olhe uma delas nem precisar de dizer, é a teimosia. Agora faça o que quiser com isso, ou segue ou desconstrói. Ou a sua personagem é teimosa ou não.

Já vi onde quer chegar. A Mariana é curiosa, mas sim também é uma possibilidade de eu dar um avanço nisto. Ora assim de repente, diz a Mariana. Olhe o ceticismo, cada vez menos no geral, mais no particular, ainda assim, sim a descrença é algo que faz parte de mim. A afetividade, sou de afetos… com pouca gente, mas sim, entrego-me esperando que não me dececionem, caso contrário o ceticismo fica mais acentuado. A calma está em mim, gosto de fazer as coisas calmamente e de pensar de igual modo, gosto muito de silêncio, sabe? Sei que por vezes é mal interpretado, mas não quero saber, preciso dessa calma e desses silêncios. Mas também gosto de barulho, música barulhenta, guitarras principalmente, põem-me bem-disposto. A Mariana gosta de música?

Muito, sou muito eclética sabe? Há quem diga que já ouviu tudo, eu cá acho que há sempre coisas para ouvir. Mas não se disperse, concentre-se lá na sua autoanálise. Faltam duas características ou uma, tendo em conta que a teimosia é sem dúvida um traço da sua personalidade.

Sou teimoso sim e já que adivinhou, não quer tentar adivinhar outro traço?

Pode ser. Embora só o conheça há meia dúzia de minutos, o Luís parece me uma pessoa insegura. Engano-me?

Reservo-me o direito de não responder à sua pergunta. Sou um gajo complicado, não me leve a mal.

Não faz mal, não é nada fácil expormos-nos assim aos outros.  Afinal, nem sequer me conhece. Não precisa de dizer mais nada. Já deve ter material suficiente para dar vida à sua personagem. Pelo menos para começar. Também já está na hora de me ir embora. Os cafés ficam por minha conta.

Já vai? Por mim deixe-se estar, estou a gostar de conversar consigo. Costuma vir aqui muitas vezes?

Não, nem por isso, mas é um sítio agradável. Hei de voltar, quem sabe não voltamos a partilhar a mesa e a conversa. Tenho mesmo de ir. Obrigada pelo lugar e pela paciência.

Foi um prazer Mariana. Até um dia!

É isso. Até!

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