Pedi-te uma ideia emprestada. Acedeste
na condição de que eu a devolvesse. Prometi fazê-lo, mas não cumpri e guardei-a
para mim (era boa demais!). Escondi-a num lugar secreto e não a voltei a pôr no
lugar. Assim que a tive comigo, vivi um instante de plenitude, um fascínio
delirante. Sou uma ladra. Já o disse antes. Tiro aos outros e não devolvo nada.
Sou uma artista decadente, mas ninguém precisa de saber. Faço decalques. Finjo
que faço. Vivo num desequilíbrio vertiginoso temendo a queda final. É quase
obscena esta abstinência de esforço mental. Este desapego à ação chega a ser
prazeroso. Delícia este desmembrar de obrigações e de cansaços! Para quê viver
num tumulto, se posso ter o deleite de graça? Até me arrepio com a ideia. Mais
valem eufemismos desviados do que hipérboles vindas de mentes insanas.
…
F***-se! (Que digo eu?) Mas que raio de
conversa é esta?
A
exaustão faz-me perder o tino. As obscenidades sobrepõem-se à doçura. A
decadência afoga-me a lucidez. O tormento trespassa-me a alma, tolhe-me o
pensamento. Regressem a harmonia e os murmúrios levados pelo vento. Dissipe-se
o espesso nevoeiro, apazigúem-se as convulsões, feche-se a dor exposta. É hora
de lamber as feridas, preciso de me recompor, escrever tudo numa letra pequenina
para não deixar fugir nada, ninguém me roubar as palavras. Temo que as flores
murchem e que esmoreçam as estrofes sôfregas de olhares curiosos e impressões.
Acalme-se
a tempestade. Solte-se a brisa suave.
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