14 janeiro, 2020

Punkitos no varão - Londres, anos 80, à tardinha

Aquilo era um varão onde toda a gente se agarrava para subir ou descer consoante as suas circunstâncias. Eu e ela seguíamos do trabalho para casa num double decker, aqueles autocarros vermelhos de dois pisos que não tinham portas. Subimos ao andar de cima por umas escadas tipo caracol que também tinham um varão ao meio. Gostávamos de ir ali a apreciar a vista.

Um pica corria os corredores com uma máquina redonda que parecia um barrilzinho com aguardente, daqueles que levavam os são bernardo para salvar gajos da neve, mas donde inteligentemente saíam uns papelinhos que eram os bilhetes e ele fazia os trocos e metia os penis no bolso. 

Uma paragem à frente subiu um grupo de punks e punkitas, dos normais, não daqueles de moicanas todas às cores para cobrar o retrato ou vender balões lá no Hyde Park. Os putos tinham pinta, despenteados, com blusões de cabedal e meio esfarrapados. Deviam ser squatters e estavam a parvalhar, mas na boa. Tinham aquela pele branquinha que o meu amigo Li dizia, cara que inveja, parece que estão sempre lavadinhos. Pelo sim pelo não, o pica não apareceu. 

Nós observávamos a cena. Era bom que não viessem embirrar que esta gente tinha a mania de embirrar com qualquer coisa. Só para verem, um dia à saída do metro atirei uma beata para o lado, assim como se faz no jogo do berlinde, e foi logo cair na bota de um skinhead, que fez birra mais os outros nazis que estavam com ele e vieram para me matar aos berros de you fucking spanish, os gajos sabiam como ofender. O Boris avançou e falou com o gajo da beata e bazamos sem estrilho nem sangue. Fogo, o Boris era o maior. Disse-me ainda, falas sempre só com um, sempre o mesmo. Se for o gajo errado you're fucked, se for algum que não queira levar nos cornos you're safe. Pelos vistos aquele era como eu, não queria levar nos cornos salvo seja. Tava sempre a aprender.

Lá íamos no bus. A nossa paragem era junto a um 7-Eleven, que eram umas lojas que estavam abertas sempre ou quase e pareciam um aquário, tinham umas vidraças enormes a toda a volta. 

Isto que vou contar passou-se em dez segundos.

Varão após varão descemos mesmo em frente à montra e um punkito saiu lá de dentro a correr e mandou uma pedra que estava ali à mão à vidraça que se partiu com um grande estrondo em mil vidrinhos e o rapaz entrou a saltar no autocarro e subiu as escadas três a três lá para cima e os empregados do 7-Eleven a barafustar a subir atrás dele e logo a descer, pareciam uns bombeiros agarrados aos varões, com o grupo dos doidos que lá estavam atrás deles e a fecharem-se dentro da loja, o que era parvo porque a vidraça mesmo ao lado estava toda escavacada, e os outros cá fora a fazerem desordem lá para dentro e aos pontapés na porta, o que era parvo porque a vidraça mesmo ao lado estava toda escavacada, e a sirene da polícia ao longe e o autocarro a bazar acelerado e os putos a correr atrás e alguns ainda se fizeram ao varão e apanharam o autocarro e os que não conseguiram fugiram pelas ruas e a polícia a chegar e a interrogar o dono da loja porque os empregados tinham desaparecido, deviam ser todos ilegais, e o dono a dizer que se não fosse a mulher e os filhos tinha-os matado a todos e estou a inventar porque o homem falava hindu ou isso e eu e ela encostados à paragem porque ver uma cena daquelas cansa a adrenalina e no fundo o que ali se passou não interessava a ninguém e seguimos caminho. 

Eram tempos selvagens.

1 comentário:

  1. Anónimo13:01

    https://www.youtube.com/watch?v=qbmWs6Jf5dc . That´s it!

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