16 janeiro, 2020

Fool moon ou o segredo da lua

Parece uma pérola fugida de um colar desfeito.
Tem fases diz ela. Hoje quer ficar sozinha, quieta, escondida.
Também eu tenho as minhas. Hoje não, tem dias.
Há dias, reina no céu escuro e faz inveja às estrelas. Crescente, cheia ou vermelha.
Outros, preguiçosa esconde-se, não quer conversa. Amua.
Uns dias mulher, outros menina.
Tenho dias como ela, somos parecidas, por isso temos segredos.
(Uns dias de cabeça na lua, outros, poucos, com os pés no chão.Uns dias tímida, outros segura.)
A lua está apaixonada, por isso estes amuos. Ama o sol em segredo. Mas ninguém sabe de nada.
Nem sei se ele desconfia, anda sempre tão ocupado. Eu sei, que ela disse-me, trocamos confidências.
Mas a lua anda triste: tem saudades do sol e ciúmes da manhã que apaga as estrelas e a manda embora para receber o sol vestida de luz branca. Esquecida das horas, a manhã vai-se prolongando. Vive um flirt com o sol que vai aquecendo o dia e acorda os botões ensonados que aos poucos vão desabrochando em flores perfumadas. Triste e frágil de amor, a lua esconde-se atrás de uma nuvem e vai perdendo o brilho. Chora baixinho e põe o seu véu de sombra.
(Também eu, como ela, tenho um véu que me esconde e quando, frágil, apago-me.)
E assim corre o tempo.Vão passando os dias e também as noites.
A brisa sopra devagarinho. Baloiçam as folhas das árvores que vestem os galhos altos que apontam para o céu. Escurece. De há uns tempos para cá, a noite tem medo do escuro. Acende as estrelas com toda a força, não quer ficar sozinha.
A lua apagou-se.
Desde então, o mundo anda triste: os poetas perderam a inspiração, os namorados têm saudades do luar. Até a brisa arrefeceu. Por vezes, sopra um vento frio e atrevido que empurra as nuvens e apaga as estrelas e tudo fica ainda mais escuro. E mais triste.É o negro absoluto. Tudo perde o sentido.
Alheio a toda esta tristeza, o sol acorda todos os dias, estende os seus raios e ilumina a manhã que ainda a bocejar o recebe com um sorriso.
Enquanto os dias brilham de alegria e se enchem de perfumes inebriantes, as noites espelham tristeza e desolação. E demoram-se a passar. Nunca o tempo foi tão cruel. E a lua chora noites a fio.
(Assim vai correndo a vida, uns dias com uma paleta de pastéis, outros com tons de cinzento,  uns com sorrisos nos olhos, outros com lágrimas salgadas).
Mas nenhum amor é impossível e já não ninguém aguenta tanta infelicidade. O sol tem de saber o que se passa com a lua. Mas ainda falta tanto para voltar a juntá-los, custa tanto a acontecer o reencontro. Cansada de permanecer nas trevas , a noite pediu ajuda às estrelas que também se sentiam sozinhas. Vamos enganar o tempo e fazer dele cúmplice do amor pensaram em conjunto pois sim, têm de encontrar-se o mais depressa possível. É urgente o amor!
E assim, durante a noite, as estrelas fugiram à pressa do céu e foram ter com o tempo que, distraído, fechara os olhos por uns momentos e deixara os relógios e despertadores à mercê das pequenas ladras brilhantes. Com muita mestria e ladinice, adiantaram todos as máquinas do tempo e voltaram a pôr tudo no lugar, direitinho.( Ah! Quem me dera controlar o tempo, adiantá-lo ou atrasá-lo ao sabor da minha vontade.)
Quando num sobressalto, abriu os olhos, o tempo ficou desorientado ao olhar para os relógios e despertadores que nunca, nunca falham e sentindo que perdera o seu próprio fio, deu um grande salto.
A manhã desatou a correr e o sol mal teve tempo de acordar que a noite já aí vinha também apressada com as estrelas no seu encalço. Aquilo deu uma volta tal que não se sabe bem como, a lua e o sol foram-se aproximando um do outro. Ao avistar a lua, o sol esboçou o mais radioso dos sorrisos e aqueceu de paixão. A lua ao sentir-se desejada e amada, começou a crescer e intensificou-se o mais belo dos luares.
Olharam enternecidos um para o outro e sem mais, o sol envolveu a lua num abraço e beijou-a na sombra da noite. As estrelas apagaram-se por um bocadinho pois não queriam ser indiscretas e deixaram-nos amarem-se sozinhos no silêncio.
 (Também eu me levantei do banco de jardim onde tenho estado sentada até agora de nariz no ar com a cabeça na lua).

Sugere-se durante a leitura a audição de Clair de Lune de Debussy.

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