22 janeiro, 2019

O Vermelho das Amoras ou quando a Lua se fez Sangue

Na noite do eclipse a lua cheia escondia as estrelas, inundando os campos de uma luz vermelha. 

Perturbados, os sobreiros dos cabeços entrelaçavam as raízes nas oliveiras e pelos matos as estevas e as giestas chegavam-se aos alecrins. 

Os jovens seguiam calados pelo caminho, entorpecidos pelo rilhar das cigarras e dos grilos. 

Olha, amoras, apontou a rapariga e adiantou-se gulosa. As bagas, de um negro escuro carnudo, estavam ali á mão, e desfaziam-se em licor avermelhando os dedos e os cantos da boca. Partilhando a delícia, sorriram quando a lua lhes juntou as sombras. 

Piquei-me, suspirou ela. No dedo aflorou uma pinta de sangue. Deixa-me ver, disse ele. Agarrando a mão, lentamente roçou o dedo pela palma como quem lê o futuro. A lua brilhou um pouco mais, tudo ficou mais vermelho. O futuro não estava escrito, apenas o destino. 

O coração batia-lhe descompassado e o sangue fluía de desejo. Acompanhando-o, os olhos dela eram calor e os lábios vermelhos, ainda mais vermelhos do suco das amoras, murmuraram qualquer coisa que ele não ouviu. Enrolou-a nos braços e olhou a lua, que afogueada concedeu. 

E com um rosnar cego, uma ânsia, uma fúria, cravou os dentes na veia que latejava cheia de vida. Sentiu-a estremecer, ouviu-lhe o grito de pavor que se converteu em suspiro, e sôfrego, sugou. Parou saciado, com os olhos raiados e os dentes tintos do sangue.

Perdido na beleza de mármore, rasgou a carne e pinga a pinga deixou o seu líquido escarlate fluir-lhe ao coração, acorrentando-a à noite. Seguiram felizes até que o sol, apanhando a lua distraída, os separou.

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