03 janeiro, 2019

O meu silêncio (2005)


Amo o meu silêncio. É aí que vivo, é aí que sobrevivo, que me faço, que progrido. Adoro que mo preencham quando sinto a necessidade. Odeio que mo tentem preencher, forçosamente, quando não a sinto.

Sou péssimo a preencher o silêncio dos outros, por isso ser observado com desconfiança. Neste mundo que privilegia a repetição de palavras de comunicação oca, o silêncio é sinal de maleita, é como estar amarelo de icterícia.

Odeio o artificialismo, odeio chats, onde a solidão que é o silêncio se vê distraída mas não preenchida. Odeio que o vento assobie na minha chaminé quando tento dormir.

Desespero quando o meu filho me chama a meio da noite, por um copo de água. Mas fico depois languidamente a observá-lo, meio a dormir, preenchendo com a sua imagem o meu silêncio, à luz de uma fraca luz de presença, a qual preenche o seu silêncio, ainda muito igual aos seus medos e incertezas.

No feminino amo o calor e o odor dela, os quais tornam o meu silêncio obsoleto, quando cruza as suas pernas nas minhas e levemente respira de satisfação como um gato muito festejado. Vivo para estes dois parágrafos, para o que se segue, e pouco mais.

Amo os livros. Creio ser este um amor desproporcionado, de parte a parte. São eles que fizeram da minha vida esta epopeia perdida pelos sofás. Mas são eles também que mais profundamente preenchem o meu silêncio e me fazem compreender, entender, reconhecer, amar e odiar a dimensão humana onde inevitavelmente me perco.

Amo os livros e o meu silêncio...

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