Mágoas de uma Lisboa que vive nas sombras, negra ao luar. As vendas
cansadas trancam-se à vez, tremendo ao fundo deste empedrado retorcido a luz de
uma taberna, azedada e gordurenta, cheia de homens suados a cheirar a vinhaça.
Peço um bagaço, licoroso, para afastar os espíritos. Emborco mais um e depois outro!
Saudades de uma Lisboa, que afinal ainda existe, bela ao luar. As lojas
de venda vão fechando à vez, restando ao fundo a luz alegre de uma taberna onde
homens rosados, cheios de vida, pagam rodadas e brindam aos amigos. Peço um
bagaço, licoroso, para dar forças. Mais um, chefe...
O vento gelado enrija os ossos, mas
esfola a pele. Arrasto-me para a rua por onde corria descalço e transpirado
atrás da bola, com as velhas a ralhar à janela. As mesmas velhas, ainda mais
velhas, espreitam do escuro, entre cortinas encardidas e desalinhadas.
Aguardo na rua estreita, encostado à parede a fumaçar, entretido com duas
vizinhas que palreiam de janela a janela, a aproveitar a noite amena. Há certas
coisas nesta cidade que não mudam.
Do maldito treze, mau agoiro, azar, ruína,
resta um molho de tábuas, de carvões retorcidos e um violento cheiro a fumo. Abafo
um grito rancoroso, de revolta contra a cidade que me traiu e volto à taberna
rançosa para avançar o luto.
Olha, aí vem ela, conheço-lhe o caminhar, o bambaleio das ancas que por
um momento me faz lembrar o balançar do navio ancorado. Mas isso é
amanhã. Hoje a noite é de sortes, de sorrisos e ternuras, de amores quentes, humidades
e cheiros, entre lençóis desalinhados.
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