20 novembro, 2018

Space Cake


O fim do ano foi em casa da Alice e do Willy. A Alice era uma portuguesinha de olhos verdes e nariz empinado de simpatia, era linda de morrer. O Willy era holandês, alto e magro, de cabelo espetado. Não sabia português, tomava conta da casa e do filho e tocava guitarra. Ela adorava o trabalho. Eram fixes e felizes.

Os convidados conheciam-se há muito e faziam parte daquela seita de casais com filhos pequenos, cúmplice e impenetrável, em que os homens falam dos filhos e das coisas dos filhos e as mulheres falam dos filhos e das coisas dos filhos. De bem com a vida, iam-se juntando aqui e ali, empurravam os baloiços aos putos, aturavam-lhes as birras, e fumavam um de vez em quando. Andavam pela sala a falar, a bebericar e a depenicar.

Os putos estavam no quarto do lado, ocupados a enfiar os dedos na baba de camelo, a partir os brinquedos e a arrancar as pernas das Barbies.

O Willy trouxe um bolo já fatiado, assim tipo bolo de aniversário, mas sem velas, nem cremes, nem recheio. O raio do bolo era bom, dava ares de pistacho e todos quiseram provar.

O holandês, que estava muito sério, ria agora que nem um perdido, it´s fucking space cake man, you gonna love it. O gajo é apanhado, pensaram os outros, mas a Alice, linda de morrer, confirmava, é verdade, e brincava, estão lixados. Ninguém acreditou.

Passada meia hora estavam todos arregalados, os olhos pareciam buzinas vermelhas e falavam ainda mais e grisavam-se todos. Ia-se aproximando o final do ano, a festa continuava, as garrafas estavam quase vazias e pouco havia para comer na mesa. Alguém contava e recontava as passas, como se disso dependesse a vida.

Uma rapariga abanava um caído num sofá, acorda pá, olha que perdes a passagem de ano, mas ele só grunhia, caraças mais ao gajo. A amiga dela dizia, deixa-o aí, vamos ao karaoke, e riam e o gajo no sofá, com a saliva seca aos cantos da boca, grunhiu outra vez. O homem da amiga estava a despejar as entranhas na casa de banho, mas as raparigas abraçaram-se, como só as mulheres sabem fazer, e sentaram-se no outro sofá a falar, a beber, a fumar e a achar piada aquilo tudo.

À janela da marquise, um casal trocado olhava as estrelas e a arder de desejo, comeram-se ali mesmo em dois minutos, tal era a fome.

O Willy, de olhos fechados, abanava a cabeça ao som do Hendrix e a Alice, linda de morrer, olhava para ele como para um deus nórdico. Era amor e space cake.

No quarto ao lado, os putos começaram a escavacar a mobília.

3 comentários:

  1. Anónimo00:45

    Ao ler a história não pude deixar de sorrir. Há sempre um space cake que marca. No meu, uma frase 'são 8h em Lisboa', repetida até ao infinito. Um dia escrevo sobre isso.
    Gostei!
    Teka

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    Respostas
    1. É pôr no papel!!!

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    2. Anónimo19:17

      Vamos ver se me animo. Em tempos tinha a mania que escrevia!
      ��
      Teka

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