Havia papéis espalhados por todo
o lado. Chovia que se fartava havia dias e não se via jeitos daquilo melhorar.
Alguém tinha deixado um jornal em
cima do banco de madeira cuja tinta verde aos poucos se despedia. Um jornal é
sempre útil, quer seja para o próximo leitor cansado, quer seja para servir de
lençol ao próximo inquilino do banco (se algum funcionário da mercearia do
bairro puder deixar uma caixa de papelão para fazer de cobertor, este há de
agradecer com certeza).
Não demorou nada até que
aparecesse o primeiro locatário. Um sexagenário de rosto vazio, longas barbas
brancas e a desolação nos olhos como cartão de visita. Empurrava a custo um carrinho
de supermercado, dentro do qual carregava o seu mundo. Aproximou-se de um homem
que fumava abrigado debaixo do toldo de uma pastelaria, de onde saía o aroma
quente de bolos acabados de sair do forno. Uma moedinha amigo. Velho de um
cabrão, vai mas é trabalhar! Era o que faltava sustentar esta gentalha. O velho
baixou os olhos mortiços e continuou o seu caminho sem olhar para trás apesar
do chorrilho de insultos que ainda prosseguia. Não evitava as poças de chuva, acho
que se pudesse se teria afogado dentro delas. Os sapatos gastos deixavam à
espreita meias desirmanadas coloridas. Talvez as únicas cores daquele dia.
Tomou o banco como seu. Era agora
o ocupa daquele assento de madeira. Uma garota que por ali passava, tomada pela
curiosidade, foi espreitá-lo enquanto este se preparava para o seu primeiro sono.
Vais dormir aqui ao frio? Vai chover muito, sabes? O velho olhou-a com ternura.
Vou ficar aqui, vou. Não tenho medo da chuva. Tenho é medo das pessoas.
A miúda encolheu os ombros e resignada
com a resposta seguiu o seu caminho. O velho, que há muito se perdera de todas
as suas recordações, tirou do carrinho de metal um cobertor sujo e ajeitou-se
no banco a ver se se perdia na letargia do cansaço e do álcool.
Hoje de manhã, passei por lá, a
caminho do dentista. O banco estava vazio. O carrinho continuava lá encostado à
parede de um prédio antigo. A rua, essa estava repleta de gentes de rostos
iluminados com sorrisos descartáveis debaixo de guarda-chuvas coloridos.
Os passeios estão cobertos de folhas mortas.
A chuva ainda não parou.
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