06 fevereiro, 2020

Confissão


É assim que vivo, um dia de cada vez, no incógnito, numa espécie de anonimato voluntário.

Evito interrogações, poupo-me a respostas, torturo-me com fantasmas e dúvidas.
Escolhi assim, sigo o meu caminho. Certa ou errada, é a minha escolha.
Perco ainda muito tempo a ter medo do que poderá acontecer amanhã, ainda sabendo que é uma preocupação estéril, vazia. É espontâneo, é natural, mas é tempo perdido. E o tempo é um tesouro, perder tempo é perder tudo. Paga-se caro o desperdício. Ainda agora abri os olhos e já é hora de os fechar de novo. O dia inteiro cabe numa conversa de café, nas páginas de um livro ou numa melodia. Cada vez mais depressa chega o fim. Enquanto entidade abstrata e intangível , é estranho o tempo, não fosse ele impossível de definir. Cada um sabe o que faz com ele. Ele sabe o que com cada um de nós faz. 
Dói-me até dizer chega senti-lo a escapar-me por entre os dedos, ao perceber os sinais que me vai deixando de que tudo é efémero, de que tudo finda.
O tempo é como o amor, fodido. Pisca-nos o olho, seduz-nos, atordoa-nos, engole-nos , tritura-nos e rouba-nos a vida.
É uma flor, é um espinho.
Ainda há quem diga que devemos dar tempo ao tempo. Tretas! O tempo não nos pergunta nada, dá-nos o que bem entende. E nós bem mandados, aceitamos sem condições. Entre o primeiro choro e o último suspiro, existimos. 
Cada dia que passa é uma dádiva. Cada dia que passa é uma morte. No meio disto tudo, acontece a alegria da surpresa, do inesperado, o tempero da vida, o antidoto para a disrupção.
Tenho pavor do obsoleto, do ultrapassado, de não fazer mais parte…do vazio em geral.
Alimento-me de brisa, de sol, de vozes e de movimento.
Dependo de presenças, de barulho e de palavras. Muito. Muito mesmo. 
Perco-me com muita facilidade, demoro a encontrar a saída. 
Falo mal do tempo, mas agarro-me a ele com todas as forças. Desconfio do amor, no entanto não equaciono não o ter comigo. 
Conforta-me o calor do raio de sol que me ilumina, apazigua-me a doçura de um eco ao longe. 
Revigoram-me os sorrisos pueris, os olhos curiosos, a ingenuidade de palmo e meio, a irreverência dos heróis de capa e espada, a rebeldia em processo. 
Retempera-me o ritmo pelo corpo adentro, os movimentos desenfreados, a vida a pulsar, a catarse. 
Doem as ausências definitivas,as prolongadas, as curtas. Doem-me as ausências, ponto.
Aterroriza-me ainda a morte. Estou a aprender a pronunciar-lhe o nome, a falar sobre ela, a encará-la. Têm-me ensinado.
Preciso do choque frontal para perceber as coisas com clareza, para alterar, para reaver o equilíbrio, seguir em frente.
Amo incondicionalmente, do ódio não sei.

Sou um paradoxo, uma contradição...aparente simplicidade num novelo de complexidade.

E mais não digo.

Contei-lhe tudo à espera de uma resposta, mas ela limitou-se a olhar para mim.




Sem comentários:

Enviar um comentário