19 fevereiro, 2020

Assalto ao Pedro Nunes - Lisboa, anos 80


Aviso: Esta é uma história amoral, mas tudo aconteceu na mais perfeita inocência de uma juventude irrequieta. 

Estávamos no snack do Migas a combinar os planos para a noite, porque as noites eram sempre poucas e tínhamos que as aproveitar todas e também porque era sábado e estávamos a bombar adrenalina. 

O Puto lembrou-se "hoje há festa no Pedro Nunes" e eu disse "é só betinhos" . O pessoal do Pedro Nunes tinha a fama de betoso e era. No meu liceu também eram todos, menos eu, mas como não faziam festas a questão não se punha nesses termos. "Arroz Doce, bute aí, deixa-te de cenas, eu sei uma entrada secreta" e eu disse "então vamos" e fomos.

O Pedro Nunes ficava ali ao pé do Jardim da Estrela onde ainda fica e claro os gajos da associação à porta tiraram-nos a pinta de proto-punques-alucinados e cortaram-nos a entrada. O Puto começou logo ali a dar estrilho, "somos rapazes honrados, não nos vamos fazer às miúdas", o que por acaso era mentira, porque era sempre essa a intenção. Começaram a sair mais grunhos lá de dentro, uma segunda linha de defesa/ataque e pelo sim pelo não fomos andando.

É claro que eu disse logo, "então como é que é a treta da entrada secreta?" E ele respondeu "vamos ver dessa merda, disseram-me que é numa janela lá para trás", "então não sabes onde é", "não" e eu "Ok". O pior que podia acontecer era aparecerem a PSP, a GNR e os Bombeiros, mas que se lixe, as betinhas tinham um apelo interessante. 

Demos a volta ao edifício a olhar para cima e nada e só à terceira vez reparámos numa janela ao nível do chão. Devia dar para a cave, tinha luz acesa e ouvia-se a música. Mas não se via nada lá para dentro.

"Fogo, deve ser aqui" disse o Puto e eu concordei. Com um empurrão abrimos uma das bandas da janela, mas a outra estava trancada e só por ali não dava para passar. Era um sítio estranho, via-se um corredor com várias portas. Estavam lá duas garinas bem curtidas e o Puto fez o choradinho para abrirem o outro lado da janela e nesta altura já lá estávamos os dois com a cabeça entalada e elas riram-se, o que é sempre meio caminho andado. Uma estava receosa, mas a outra avançou, abriu o raio da outra banda da janela e o Puto despencou por ali abaixo e eu caí-lhe nos costados. "Foda-se Arroz Doce", e eu "cala-te meu, olha as garinas". 

Só então conseguimos ver o outro lado, que estava meio tapado por uma parede pequenita. Tinha espelhos e lavatórios e nesse mesmo instante saiu uma rapariga de uma das portas e começou aos berros "Ó socorro, estão aqui dois pervertidos". Pervertidos nós, que tínhamos acabado de perder a virgindade, enfim. Mas ela continuava, "Ó da guarda!" As garinas desapareceram e nós saímos e vimos cá fora na parede um boneco de uma menina de saias sentada num penico. Caraças tínhamos entrado pela casa de banho das miúdas. 

Mas já estávamos no meio da pista a tocar guitarras a fingir e a abanar a carola e depois a dançar ska, que era um pé para a frente e outro para atrás, tipo os Specials. Entretanto os namorados ajuramentados das betas não estavam a achar piada e foram chamar os gajos da porta e no meio de uma confusão que só nos deixou mal vistos, eu ainda gritei "esta música é uma merda", e o Puto queria avançar, tinha vindo d'África e tinha a mania que era guerreiro. Tivemos sorte em não levar um enxerto, mas demos com os beiços na calçada. 

As duas garinas da janela estavam cá fora encostadas ao gradeamento a fumar um cigarro e parece que à nossa espera. Eram mesmo baris, fomos fumar uma ao jardim e acabámos a noite no Jamaica a curtir bués.

Ele há males que vêm por bem.

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