03 dezembro, 2019

O tempo corre passo a passo

São quinze. Há uma rapariga que sabe tudo, há alguns que sabem muito, há outros que sabem mais ou menos que o suficiente e há um rapaz que não sabe nada. Esperam à porta pelo exame que começa às nove em ponto. 

A rapariga está aborrecida e impaciente, o tempo move-se lentamente, a porta da sala não abre e está cansada de rever os apontamentos. O rapaz olha o relógio minuto a minuto, para ele o tempo voa, preferia que a porta não se abrisse. Faz uma pergunta idiota à rapariga  e ela que o conhece bem, mais para passar o tempo do que para outra coisa, responde ao infeliz que não fixa nada da resposta. Afinal o tempo para saber já passou e se um o aproveitou para estudar o outro não o aproveitou, não interessa porquê.

É tão estranho este passar do tempo. Quando não se sente, parece que nada se fez, mas não é verdade, ficam os indícios. Por outro lado, quando se alonga no relógio, poucos indícios deixa .

Chega um a correr, afinal são dezasseis. É dos que sabe quase tudo. Se ali já estivesse, estaria impaciente com o vagar do tempo, mas perdera o autocarro. O seu tempo acelerara, mas o do autocarro mantivera-se estável entre os semáforos e o trânsito matinal e parou na paragem à hora que lhe era destinada. O jovem corre. Cheio de adrenalina e ansiedade, fica desiludido por a porta ainda estar fechada. Vicissitudes.

Entram dez minutos antes do exame. Secretária sim secretária não está um envelope com a prova. A professora diz calmamente, vão-se sentando nas mesas onde estão os envelopes... só os podem abrir quando disser... têm todos caneta? É uma professora simpática. Dentro do envelope têm duas folhas para rascunho... escrevam logo o vosso nome no cabeçalho para depois não se esquecerem. 

A rapariga senta-se na fila da frente. Pousa a caneta na mesa do seu lado direito e aguarda. Está concentrada, mas o tempo teima vagaroso, quer passar o saber à folha. No coração é diferente, tudo está acelerado, não acalma num dia destes.

O rapaz foge para a fila de trás. Para ele também o tempo não passa agora, quer livrar-se da angústia de não saber. Revira os bolsos até encontrar a caneta que começa a roer. Também o seu coração está oprimido.

A campainha toca e o relógio aponta nove horas. A professora diz podem começar e abrem-se os envelopes. Tira um livro de notas da mala. Sabe bem que tem que ter atenção à sala, por causa dos pedidos de apoio e dos eventuais copianços. Mas é experiente no multitasking que lhe permite duplicar ou triplicar o tempo, quando este se arrasta ou urge.

A rapariga passa os olhos pelo teste que são três folhas, a última só uma página. Lê e relê as perguntas porque sabe que é importante e confiante ataca a primeira, como se o tempo fosse uma constante. De vez em quando, este dá um pequeno salto em frente quando lhe surge alguma dúvida. Mas é só isso.

O rapaz vê uma tabela na 3ª página e começa por aí. As perguntas de sim ou não são rápidas e sabe que alguma há-se acertar, mas logo se apercebe que a ignorância é grande e a partir daí o tempo não tem dó, adianta-se a si próprio. Salta de pergunta em pergunta e pouco escreve e o que escreve é o que lhe passa pela cabeça. Pensa que lá pelo meio há-de acertar alguma coisa. De minuto a minuto olha o relógio da parede. Acaba o teste numa hora e nem o relê com medo do que fez. Fica angustiado à espera que passe o resto do tempo, que agora o castiga com lentidão.

A rapariga acorda do transe quando a professora anuncia que falta meia hora para o final. Esqueceu-se da sua regra número um, controlar o tempo. Preenche rapidamente a matriz, que deixara para o fim. Está consciente que poderá perder aí alguns pontos, mas é obrigatório reler o que escreveu e tem quinze minutos para o fazer. O tempo agora não estica, passa a correr e só revê metade das páginas.

O relógio na parede anuncia a campainha que toca e a professora recolhe os testes, bendizendo o fim daquela hora e meia quase perdida. Dois ou três deles não tinham escrito os cabeçalhos, há sempre quem viva num tempo à parte.

Ela sai insegura do que fez e vai confirmar com os colegas as respostas. Se ao menos tivesse tido mais tempo.

Ele sai seguro do que não fez. Se ao menos tivesse tido mais tempo... mas já entrou noutra escala, sai a correr, os amigos estão à espera para irem à praia .

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