09 dezembro, 2019

Compras de Natal. Corta e siga o filme


O Natal vinha aí acelerado, ou era véspera ou era um dia antes da véspera, para a história tanto faz. Tínhamos que comprar aquelas coisas que faltava comprar, no nosso caso tudo ou quase, só tínhamos uns ferrero em casa, mas eram do ano passado, já deviam estar escangalhados e estavam esquecidos dentro de uma almofada não sei porquê, e cheirava-me a chocolate todas as noites e eu pensava que era a minha anja da guarda e um dia enganei-me na almofada e acordei com uma dor de pescoço do caraças.

Bem, faltava-nos sabonetes, porque ir bem cheiroso para as festas de família era básico e então Natal caraças fogo, e chouriças e queijos e vinhaça, que já havia quem levasse pasteis de bacalhau, bolo rei e arroz doce, e eram as prendas, um carro e uma boneca para os filhos dos primos, uns putos ranhosos  e chatos que limpavam as mãos aos sofás e vinham para as minhas calças e segurava-os com a mão na testa e eles depois corriam pela casa a fazer de camião dos bombeiros. Aturava-os porque a mãe sorria e era uma alegria na festa, não vou dizer porquê, imaginem, é Natal, imaginem à vontade, que se lixe. Por mim tinha levado uns xanax aos putos, mas ainda não fabricavam. 

Havia ainda só um ou dois hipermercados e era um de Alfragide, acho que era Pão de Açucar que é um nome parvo, imaginem um pão de açúcar, mais valia chamar arrufada ou bola de berlim, mas assim se calhar tinham que pagar direitos de patentes e assim não, mas não deixa de ser uma porcaria de nome, por isso foi-se. Continente e Jumbo ainda lá vai, mas Pingo Doce é o máximo, faz-me lembrar doces de ovos e a mercearia do Sr. Manuel que nesta época só vendia bacalhau ás postas e Vinho do Porto martelado, mas do bom.

Toda a gente ia ali e era meio dia. Andámos uma hora para estacionar, ao sol. Imaginem sol no Natal, o Menino Jesus estava contra nós. Também só vi uma vez neve nesta terra e foi uns mijinhos que aquilo não era nada, uma lamazita, preferi ver uma vez um granizo, que aquilo sim, até dava para fazer gelados daqueles d'água, mas também andava tudo constipado e aquilo derreteu e ninguém aproveitou nada.

Não havia carrinhos à entrada, só gente e mais gente e estivemos à espera que alguém largasse um e depois foi tipo uma corrida, a parceira disse vai Arroz Doce, apanha. E fui e apanhei e depois fugi, porque veio um matulão atrás de mim que devia saber karaté, mas tropeçou nela e lixou-se e eu entretanto já tinha passado pelo meio da multidão enfurecida.

Atenção, aquilo ainda não era hiper ou essas porras das grandezas, era só super, isto era uma tristeza de terra banhada pelo sol e praia, quem me dera já o verão, e estava cheio de gente e de carrinhos, mas lá íamos andando com muita calma a empurrar o nosso. Virámos uma quina e entrámos no corredor central e pensámos vai-se andando, ela vai buscar as tretas e comida e eu a bebida e fica sempre um no carro, aquelas coisas de casais coordenados que parece que têm antenas como as abelhinhas e os zangões. O corredor estava apinhado e fomos e ao fim de dez metros parámos o carrinho e toda a gente parou. Tudo parado, tudo travado.

Bolas era um super-engarrafamento. Só vi um igual na última noite da Expo, que ninguém punha os pés no chão, o pessoal era uma mole humana que se mexia por inércia. Estas palavras aprendi nas legendas duns desenhos animados que passavam quando era puto, com um velho de barbas brancas, que explicava o mundo e não sei se aquilo era francês, mas que sabiam muita coisa sabiam, agora são os ingleses e os americas que sabem, só não sabem encontrar a saída para o buraco em que se meteram e vêm para aqui beber jolas e vinho tinto para esquecer.

Ninguém andava. Tudo parvo a controlar os outros ou a assobiar. Um maluco começou com com licença, com licença e ficou tudo a olhar para ele como se fosse maluco, então aquilo era carro encostado a carro e pessoas já dentro dos carros e uns abanavam uma bandeira de Portugal, como se estivessem perdidos no Oceano e nós ali à meia hora a olhar um para o outro e eu disse isto está uma merda não anda e ela disse vamos bazar vimos amanhã e eu disse que sim e deixámos o carrinho lá no meio e tinha no bolso uma campainha de bicicleta e lá conseguimos saltar por cima das caixas e sair e estava a chover. É claro que os putos levaram com os chocolates e agora já tão grandes, façam-se à vida.

Escrevi isto para que vos sirva de exemplo para não deixarem as coisas para a última, que eu aprendi com a idade e já combinei comprar as coisas no dia 22, que até dá jeito porque é domingo, e vou ao Colombo pela tardinha, com calma e faço as minhas compras. Quem vos avisa amigo é.

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