23 dezembro, 2019

Tesouro de Natal

As crianças procuravam o tesouro. Ele era maiorzito e ela mais novita. Todos os natais era o mesmo desassossego. Um deles lembrava-se, vamos ver dos presentes, e  remexiam toda a casa, até os cantos mais escuros que passavam despercebidos ou criavam medos o resto do ano. 
Demoravam-se num armário que havia no quarto dos pais, por cima do roupeiro da parede. Ele ia buscar um banco à cozinha e equilibrava-se e esticava-se e remexia, remexia e tentava ver bem lá no fundo, mas dizia não está aqui nada. Ela não acreditava e queria ver também. O irmão segurava-a, mas a miúda não chegava lá e zangava-se quando ele a puxava para baixo.
Abriam o roupeiro e viam debaixo da cama. Nada. Cada vez mais desconsolados, começavam a pensar que naquele ano não havia presentes, mas não desistiam e espiolhavam tudo, por cima dos móveis, por baixo das camas, abriam e fechavam gavetas e até arriscavam o frio da varanda para ir espreitar debaixo do tanque.  Acabavam por desistir, mas ela dizia não viste bem no armário, e ele, vi,vi, mas ia fazer uma segunda tentativa com ela à espreita. Nada.
Olhavam com desconfiança os pais, mas portavam-se muito bem e de vez em quando perguntavam à mãe, lembras-te dos presentes do acion man e da boneca e ela dizia já disse ao Menino Jesus e ele não se esquece, diz que traz, mas primeiro vai ver se vocês se portaram bem. E aí eles ficavam com medo pois nenhuma criança se porta sempre bem e eles bem o sabiam.
A pinheiro de Natal não tinha luzinhas, tinha umas fitas grinaldas brilhantes que pareciam uns cachecóis que se enrolavam nas ramagens. Pendurava-se também umas bolas às cores e completava-se o arranjo com um anjinho de braços abertos a meio e uma estrela em equilíbrio no topo. Era a Estrela de Natal.
Numa mesinha abria-se um presépio de figuras de barro. A Nossa Senhora tinha um manto azul e o José, barbas e um cajado. O Menino Jesus deitado numa cama de palhinhas tinha um pano à cintura. Eram protegidos por um telheiro onde cabiam ainda o burro e a vaca da tradição. Fazia-se um caminho entre o musgo para os Três Reis Magos, imponentes nos seus camelos, e uns pastores com um cão e um rebanho de ovelhas branquinhas ajoelhavam-se em adoração ao menino. O presépio era bem bonito, mas ao longo dos anos algumas figuras iam-se partindo. Os irmãos gostavam de brincar com as peças e de vez em quando perdia-se uma ovelha e um dia quebraram a cabeça e o cajado do José, mas o pai colou e ficou bem na mesma. 
Depois era a noite de Natal. Eles olhavam para o sítio das prendas que era junto do presépio e continuava vazio. Ao jantar era um alvoroço, não queriam comer e a pergunta repetia-se quando vem o Menino Jesus, e os pais bem tentavam acalmá-los e diziam que o Menino Jesus nunca se esquecia, mas tinha que se esperar pela manhã. Os petizes não se queriam deitar, nem adormecer e só o faziam quando os olhos já não podiam de sono. Acordavam cedo. Era Dia de Natal. O primeiro ia chamar o outro e corriam a acordar os pais e perguntavam numa algazarra, o Menino Jesus sempre veio, eu não ouvi nada, eu também não, vamos ver? A mãe e o pai depois de um beijinho diziam vão lá ver vá.
E depois de tanta dúvida e tanta inquietação lá estavam os embrulhos coloridos a rodear o presépio e eles, excitados e felizes, não se calavam até abrir tudo e começar a brincar com os brinquedos novos, naquele dia há tanto tempo desejado.

4 comentários:

  1. Anónimo19:02

    Como os nossos Natais eram felizes e inocentes ��

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    1. Outros tempos e tradições. Melancolia...

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  2. Um texto muito bonito e envolvente sobre o Natal!

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    1. Agradecemos o comentário Paulo J. Pinto. É muito bom ter feed-back positivo, faz bem ao EGO. Um óptimo 2020 é o nosso desejo.

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