Para o homem encantado tudo é noite. A felicidade é como o âmbar
que envolve o inseto, não o deixando mover nem sequer respirar, mas
conservando-o no seu esplendor.
O sol, já sem luz, num capricho
apaga-se. Na planície azul escapa-se o dia. Pequenas ondas de novelos alisam o
cabelo, ventos do manto de nevoeiro branco, grosso e quente, que abafam o
escuro. Procura o calor, que vem aos poucos e se perde
em nada. O corpo treme e retoma o caminho sem sentido, sem fim sempre que
começa, com o fim com que sempre acaba. Tudo o que é vivo é magia e toda a vida
é ilusão.
Não pede, recebe o que há. Na
gruta sem teto, onde se enleia no calor e nos medos, ela não vem e quando vem,
está, perdeu-a na memória tanta vez. A neblina e a paisagem azul consomem-no, mas
é tudo imaginação, não fosse mais disso o que fica, os abismos dos passos, as
cores cinzentas das flores, os cheiros nos gostos e todas as lembranças que passam
e nele ficam e não interessam.
Numa dessas noites sem sol, mas
quente, chega. Não a acompanha bem, no fundo da sua gruta sem teto tudo é
confuso, portas e caras que falam sem mexerem os lábios ou então, em silêncio, chamam
alguém num manto branco que baralha os sentidos do homem encantado. O
sentimento é ansiedade, um querer imediato, cortante, como aquele que deseja o
calor e o vermelho do seu sangue, que escorre pintando desenhos coloridos por
onde passa, espraiando-se naquilo que foi antes a vida e que hoje é desejo
intenso, entre sofás brilhantes.
Ao olhar do homem encantado
tudo é luz, encandeia. O manto dos seus cabelos envolve-o, a calda é doce, tão
doce, embala-me no teu regaço, dá-me ternura e o desejo arde e entre a névoa o tempo
torna-se real e curto, mas forte. Naquele momento está feliz, mas tudo é prazer
e angústia e sem se aperceber anda à roda do sulco do mesmo caminho.
Ela desfaz-se no lado escuro da gruta e ele num poço, onde as
luzes lentamente ofuscam e morrem e na mesa nada está, nada, nem a memória do
seu peito que tão bem se encaixa. A confusão torna-se impotência e o desespero
bate como o sino do campanário da planície azul e cerra os olhos no escuro do
poço, pesados pela névoa dos sonhos de ópio. O mar continua salgado e escuro e
entre almofadas nuas, lembra-se do que noutros dias esquece.
Para o homem encantado tudo é
difuso e irreal. A felicidade é como o âmbar que envolve o inseto, não o
deixando mover nem sequer respirar, mas conservando-o no seu esplendor.
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