09 abril, 2019

Sol a dois

Gostava de caminhar. Ao fim da tarde, os restos do Sol sacudiam o frio miudinho, que entrava nos ossos, mas refrescava o pensamento. Ia até à baía, umas vezes só, outras acompanhada.

Acompanhada, falava da vida. Gostava de falar, estava nela. Parava muitas vezes quando ia só, para  observar o borbulhar que as leves flutuações do rio traziam à areia da margem.

Gostava de fotos, afinal diziam que uma foto valia mil palavras, mas também gostava das palavras, afinal havia palavras que valiam mil fotos. Palavras doces e amargas. Será que alguma delas, fotos ou palavras, tinham a força de um gesto? Será que tal fora estudado? Era tarde para inventar novos provérbios, já os havia muitos, antigos e usados.

Por trás do horizonte o Sol caía, teimando em deixar um cobre polido que agitava as silhuetas.
Na ponta do novo cais, onde não paravam os barcos por falta de hábito, destacava-se uma sombra a dois.

Tantas vezes os vira. Seria o seu andar uma desculpa para os ver? Tantas vezes se perguntara quem eram, o que ali faziam todos os dias ao escorregar do Sol, aquela perseverança em ver o belo, as palavras sussurradas talvez de paixão, talvez de mais ainda, e o gesto dos ombros que se encostavam a meio caminho e se apertavam tanto. Pareciam duvidar que o Sol nascesse e por isso o desafiavam ao cair a noite.

O pensamento não pára, pensou ela, e tirou a foto que valia mil palavras, completa.

Voltou então, um pouco mais quente. Desceu à areia, para aproveitar os últimos raios. Seguiu lentamente, imaginando os passos que iam ficando, e aqui e ali olhava para trás, curiosa se também o cobre neles tinha ficado.

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