27 abril, 2019

As manas Picoas

Quis o destino e os meus pais que também eu nascesse na Maternidade Alfredo da Costa, ali às Picoas, topónimo popular de origem curiosa.

Conta-nos José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico, que havia por ali uma quinta que tinha como proprietárias duas senhoras, talvez irmãs, talvez solteironas. O seu pai era Picão de apelido e o povo, por graça ou por maldade, chamou-lhes «as Picoas» de onde ficou o topónimo.

Nas Memórias Paroquiais de 1758, o sítio das Picoas aparece integrado na freguesia de São Sebastião da Pedreira, entretanto banalizada para Avenidas Novas. Ao cimo da colina, junto à Igreja de São Sebastião, a meio do caminho que ligava o antigo Chafariz de Andaluz a Palhavã, que hoje é mais ou menos onde fica a António Augusto de Aguiar, gozavam-se os ares aprazíveis e lavados pelo vento.

Vivi nas Picoas muito tempo. Só saí para conhecer mundo e voltei com o mundo um pouco mais conhecido, e com saudades das mercearias e das drogarias, dos snack-bares e do ardina que só tinha um braço e que vendia jornais num vazado, onde em pequeno eu ia comprar o Diário Popular.

Em frente à minha porta, havia uma taberna, das antigas. Não era uma taverna das novas, vendia penaltis e copos de 3, e tinha uma fila de pipas sempre a esvaziar. Havia também uma esquadra, ao pé da praça, mais ao menos onde é o Fórum Picoas. A praça era muito grande, as gentes acotovelavam-se de um lado para o outro no meio dos legumes, das frutas e das gaiolas das galinhas e dos coelhos.

Lembro-me da abertura do primeiro centro comercial em Portugal, o Imaviz, que sobrevive moribundo na Rua Tomás Ribeiro, junto ao metro das Picoas. Quando abriu, os casais deslumbrados entravam para passear e ver as montras, um pouco como ainda se faz por rotina noutros sítios.

As Picoas modernizaram-se, encheram-se de escritórios e de lojas e os seus filhos foram-nas abandonando. Hoje as Picoas já não existem, são um amontoado de hotéis e turistas e restaurantes vegan, paleo e afins.

As avenidas estão novas por fora e vazias por dentro.


Imagem: Planta da cidade, 1856/58, Filipe Folque - http://lxi.cm-lisboa.pt/lxi



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