10 março, 2020

3ª Guerra Metal (Lisboa/1980)


Portugal era a última flatulência do rock. Alvin Lee, John Mayal e outros vinham cá ao cu de judas, já velhotes, ganhar uns cobres e até um dia veio a tótó da Joan Baez que obrigou o pavilhão a sentar no chão senão não dava o concerto e estávamos todos toscos, hippie é esta merda? E eu levantei-me e perguntei se podia ir à casa de banho e ela what? what? e a coisa ficou por ali porque me puxaram para baixo. Vá gozar com os portugas para o caraças.

Os heavy metal também vinham. Vi os White Snake, o Ted Nugent e até as Girlschool. Não fazia o meu tipo, mas papávamos tudo o que aparecia e depois também havia aqueles solos hipnóticos de bateria que duravam 30 minutos e que agora já não fazem porque não sabem. Aquilo é que era bater nas peles. O resto do show eram uns gajos de cabeleiras de caracóis, spandex de lantejoulas e foguetes a saltar do meio das pernas. 

Naquele dia a banda era qualquer coisa hard-rock inglês, os U.F.O.. Nunca tinha ouvido nem nunca mais ouvi falar deles. Foi no Pavilhão de Alvalade. 

Caía a noite e a confusão ateava. O pavilhão era pequeno como o raio e a produção como costume tinha vendido bilhetes a mais. A fila para entrar dava até ao Campo Grande, mas mesmo assim havia muito pessoal a rondar sem bilhete, incluindo nós, tal era a fome de música ao vivo. Agora a putalhada passa o Verão nos festivais e nem agradece. Vão é trabalhar prás minas de sal, tristeza.

O ar anunciava tumultos múltiplos e em redor preparava-se a 3ª guerra metal. Os seguranças estavam a ver que não era só fumaça e fecharam as portas assim sem avisar e ficou muito pessoal cá fora, inclusive gajos com bilhete. Era vê-los a deitar-se ao portão, pontapés ou cabeçada, valia tudo. Alguém gritou olha a bófia e fugimos todos para o mato, que naquele tempo Alvalade era um estádio no meio das hortas. Mas qual bófia qual quê, os seguranças que se safassem. Se o Sporting adivinhasse tinha pagado os gratificados. 

Já se ouvia o som dos U.F.O. a pesar lá dentro, que raio de nome para uma banda, e nós cá fora a espumar pela boca até que um reparou que uma das paredes da bancada do pavilhão encostava à do campo de treino. Ao cimo, onde as duas bancadas se seguravam na parede havia umas janelas. Tinham tirado os vidros e posto uns contraplacados a tapar. Pior a emenda que o soneto.

E prontos, alguém se lembrou vamos rebentar aquela merda, e eu não percebi bem, mas pereceu-me boa a ideia. Subimos pela bancada de fora acima e começámos a trabalhar na serradura. Puxa daqui, empurra dali, pimba, taruz, e aquilo começou a ceder e de repente éramos uns trinta a saltar para a bancada de dentro, como uns ratos enfeitiçados pelo solo de bateria que já corria.

Descemos aos tropeções pelo meio de quem estava e eu, que não vou dizer o meu nome porque não sei se esta merda já prescreveu, fiz uma finta de râguebi a um dos seguranças que bufava por ali acima para agarrar o pessoal. Em dez segundos tinha-me perdido no meio da plateia, enquanto a guerra continuava na bancada.

O solo foi razoável, ainda fiquei uns quinze minutos a abanar a carola. Os da banda viram que aquilo era terra de índios, tocaram, fizeram por agradar com uns encores o que não era difícil com a miséria a que estávamos habituados, receberam os 100 contos do contrato e bazaram naquela mesma noite. 

Para não me esquecer daquele sucedido, fiz um bilhete em cartolina, onde escrevi U.F.O. o sítio, e em letras garrafais BORLA.

Eram tempos em que se confundia vandalismo com anarquia e desde que não houvesse sangue, e raramente havia, estava-se bem.

1 comentário: