26 fevereiro, 2019

O beijo de Helena e João

Por este andar não chego a tempo, pensou Helena preocupada com o trânsito. Será que ele espera? Claro que vai esperar, respondeu a si mesma, confiante. Ansiava vê-lo, mas era um desespero, a fila nunca mais se mexia.

João tinha passado dez minutos encalhado no túnel do metro. Estava nervoso, não se queria atrasar no primeiro encontro. Todo este tempo para arranjar coragem e agora isto. Sentia-se um pássaro engaiolado. 

Helena lembrou-se da primeira vez que o vira, na biblioteca da escola. Tão amoroso, tão genuíno no seu blusão de ganga. Bonito. Batia-se por um livro e ela saltou em seu socorro. Era assim, impulsiva. Ele olhou para ela como se fosse o que lhe faltava. Talvez tenha sido amor à primeira vista, pensou Helena, abrindo o sorriso quando o carro à frente avançou.

João lembrava-se bem quando conhecera Helena, o seu ataque em sua defesa. Naquele momento qualquer coisa se abrira dentro dele, quisera beijá-la. Não o fez. Anos e anos de sentimentos reprimidos, pensou. Bem, hoje é o dia, se eu sair deste maldito metro. Aproximava-se a estação junto ao rio. Olhou distraído para uma rapariga sentada à sua frente. Era naturalmente bonita da mesma forma que Helena era naturalmente deslumbrante. Olhou pela janela, para a escuridão, pensando em belos olhos escuros.

Agora que o trânsito parecia andar, Helena acalmara um pouco. Faltavam cinco para as nove e contava chegar com dez minutos de atraso. Era aceitável, pensou. Ele é tão tímido. Lembrou-se de tê-lo visto mais tarde naquele dia, no refeitório. Sorrira para ela e rapidamente sentara-se no outro lado da sala. Trocaram olhares pelo reflexo de um espelho. Se não me tivesse sentado à mesa dele no dia seguinte, pensou Helena, ainda estaríamos a olhar-nos no espelho. Os Strokes interromperam os seus pensamentos e aumentou o volume do rádio, sentindo que não se movera nos últimos cinco minutos. Começou novamente a sentir-se nervosa.

João recordava bem aquele dia e as palavras mágicas de Helena, Olá, este lugar está ocupado? A voz de Helena soara tão doce…, mas ele só conseguira murmurar em resposta. Qualquer coisa brilhara e tinham aproveitado cada segundo da conversa. Passaram a encontrar-se todos os dias na faculdade e ele sentia a falta dela nos fins-de-semana. Duas semanas depois, decidiu que tinha que ir mais longe e numa tarde de Sol convidou-a para sair. O metro chegara finalmente. Subiu apressadamente as escadas e comprou três rosas vermelhas para dar sorte ao Amor. Apressou-se, rezando para que ela lá estivesse. Já eram nove e quinze.

Helena soubera que sentia algo por ele no primeiro domingo em que acordou triste. Os seus encontros na escola começaram a ser um prazer e uma tortura. Ele parecia sempre tão distante, até que do nada, numa tarde de Sol, convidara-a a sair. Eram nove e vinte e cinco, estava a ficar exasperada. Já perto, viu uma luz branca e acelerou para o lugar, mas perdeu-o.

João olhou o relógio. Eram novo e trinta e cinco. Ela já não vem, pensou, sentindo-se frustrado, mas principalmente triste. Ela não vem, repetiu para si próprio e lentamente, sem vontade, caminhou para a paragem do autocarro.

Helena conseguira estacionar o carro a dois quarteirões de distância. Apressou-se. Meu Deus, isto não está a acontecer, pensou.

O autocarro aproximava-se e João olhou uma vez mais, mas ela não estava. Entrou, sentindo-se amargurado e prometendo a si mesmo que nunca mais cairia na armadilha do amor. O autocarro iniciou a marcha quando, pelo canto do olho, viu o passo apressado de Helena. Pare o autocarro, gritou em voz alta, mas o motorista olhou-o pelo retrovisor e ignorou-o.

Helena chegou. Estava ofegante. Ele não está, pensou, poderia ter esperado um pouco… ou talvez não tivesse vindo? Sentiu o coração a quebrar-se. Olhou para o relógio. Eram nove e quarenta e cinco.

Dentro do autocarro, João pensou rápido. Puxou a alavanca de segurança. As portas do autocarro abriram-se e o motorista travou a fundo. Os passageiros queixaram-se, o motorista protestou, mas João pulou para a rua, alheio a tudo.

Helena estava parada. Não sabia o que fazer. Não queria ir para casa, só o queria ao seu lado. "Helena". Reconheceu a voz e virou-se. João olhava-a e sorria. Ela sorriu de volta e pegou a sua mão estendida.

Beijaram-se.



Sem comentários:

Enviar um comentário