28 outubro, 2018

eu sou teu, eu sou tua (ou o feitiço de atrasar a hora)



Se o tempo andasse para trás porque não o atrasávamos só uma hora, mas duas, todas as horas e todos os dias.

Se por isso nos amássemos sempre mais, antes de fazer juras de amor eterno, eu sou teu, eu sou tua, porque a rotina nunca se instalara nem chegara a haver rotina e antes ainda fizéssemos amor por todos os cantos da casa.


Se nos escolhêssemos, eu sou teu, eu sou tua, antes de fazer amor por todos os sítios e também à chuva e fosse sempre diferente porque éramos sempre mais jovens e queríamos sempre descobrir e sentir mais.


Se fizéssemos brindes até cair de lado, sem pensar no futuro, sem preocupações ou responsabilidades, não sou mais nada que tua, não sou mais nada que teu, antes de aprender como era viver ao contrário, numa escola onde entrávamos a saber tudo e saíamos sem saber nada.


Se doesse nos amores perdidos e ardesse nos amores de perdição, antes de nos amarmos em todos os cantos e sítios do mundo, enquanto se pensava que não estávamos lá, mas estávamos abraçados na areia da praia, eu sou teu, eu sou tua.


Se ouvíssemos música como se não houvesse vizinhos, antes das borbulhas e das urgências de descobrir os corpos e beijarmos-nos e tocarmos-nos pelos cantos e era tudo novo e ninguém era de ninguém.

Se jogássemos ao bate pé, antes de trocarmos papelinhos na aula a dizer eu sou teu, eu sou tua, vamos dormir os dois, sem saber o que isso era.

Se levássemos uma palmada para existir, antes de nascermos da barriga da mãe. 


Se tudo parasse, antes de esticarmos as pernas e duas vozes se rissem muito, eu sou teu, eu sou tua e ele é nosso.


Se houvesse uma explosão de mil cores, antes de um espermatozóide ter fecundado um óvulo.

Se depois fosse o nada, ou talvez outra vida num mundo em que não se soubesse disto e só se andasse para a frente e se morresse!


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